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Tendências psicodélicas para 2023

Especialistas destacam os acontecimentos que marcaram o campo dos psicodélicos em 2022 e revelam expectativas para o ano que se inicia

Carlos Minuano, para a Psicodelicamente

Foto: Freepik

Olhando pelo retrovisor, observamos que muita coisa aconteceu em 2022 no campo dos psicodélicos. No final do ano, um dos fatos de maior repercussão foi a legalização da psilocibina (princípio ativo dos cogumelos Psilocybe) no Colorado, nos Estados Unidos. A decisão autoriza a criação de “centros de tratamento”, regulamentados pelo estado, para tratamento de saúde mental com a substância.

Por outro lado, o hype em torno dos psicodélicos também trouxe apreensão para o setor. Pesquisadores revelaram temor pelas consequências de um entusiasmo exagerado. Investimentos milionários transformaram o meio psicodélico num ambiente competitivo de tensões crescentes. A briga por um pedacinho de chão neste segmento promissor vem sendo chamada de “a nova corrida do ouro”.

Para ajudar a colocar passado e futuro em perspectiva, a Psicodelicamente convidou especialistas de diferentes áreas para refletir sobre o que aconteceu de mais importante em 2022 e a respeito do que podemos esperar em 2023 na cena psicodélica global. Veja a seguir.

 

Bia Labate, cofundadora e diretora-executiva do Chacruna Institute (Califórnia, EUA)

Acho que a Proposição 122 [que regulamenta o uso de cogumelos psicodélicos ao público adulto no Colorado, nos EUA] foi uma conquista incrível. Ele permite o acesso à terapia psicodélica para adultos de 21 anos ou mais e o envolvimento das partes interessadas no desenvolvimento dos regulamentos em torno disso.

O projeto de lei começa com o acesso à psilocibina e, a partir de junho de 2026, o Departamento de Agências Reguladoras do Colorado (Dora, na sigla em inglês) poderá expandir a mudança de política para incluir três outros medicamentos naturais – DMT, ibogaína e mescalina (excluindo o peiote).

É uma grande ironia que uma nação dita ocidental e “civilizada” ainda perpetue um sistema de política de drogas enraizado no colonialismo – afinal, as plantas sagradas foram proibidas devido a dogmas religiosos e morais, e estigma em relação aos povos indígenas, seus saberes e práticas.

Em 2023, temos que estar atentos aos desafios do processo normativo e garantir que as medidas de justiça social previstas no texto sejam realmente implementadas de forma equitativa. Espero que a Proposição 122 seja um passo na direção certa, tanto para o Colorado quanto para o mundo.

Isso é especialmente importante, pois estamos vendo investimentos fluindo para todas as áreas do campo dos psicodélicos, o que pode impactar potencialmente a governança e a criação de regras para o acesso aos psicodélicos.


Fernando Beserra, psicólogo, cofundador e coordenador da Associação Psicodélica do Brasil

No Brasil, podemos ver a consolidação, cada vez maior, de alguns grupos, tanto de pesquisa, quanto de formação de profissionais e de militância na área. Distintas formações de profissionais de saúde ocorreram no Brasil em 2022. A APB (Associação Psicodélica do Brasil), por exemplo, realizou o curso Mente Manifesta, de 45 horas, com conteúdo sobre terapia psicodélica; processo de integração das experiências psicodélicas; microdosagem e conhecimentos gerais sobre o tema. O Brasil é um dos grandes produtores de literatura científica sobre psicodélicos no mundo. Ver esse campo continuar o seu desenvolvimento e se ampliar, possivelmente foi um dos marcos de 2022. Tivemos conferências como a quarta Conferência Indígena da Ayahuasca e a primeira edição do Congresso Brasileiro sobre Psicodélicos, para citar dois exemplos. Outro marco é a aprovação, no Congresso Brasileiro de Psicologia, da “Proposta 304”, que indicou que o Sistema Conselhos de Psicologia deve aprofundar a discussão sobre a atuação profissional nas psicoterapias assistidas por psicodélicos. Isso é um avanço para o acúmulo do debate no Brasil.

Estou animado para acompanhar como será a regulamentação do uso de psicodélicos no Oregon, nos EUA. Aprovado em 2020, na Medida 109, os serviços de psilocibina entrarão em vigor em 2023 e compõem um tipo de serviço cinzento, que abrange o campo da saúde, mas não se vincula exclusivamente ao campo médico.

Assim, espero que vejamos em 2023, também no Brasil, a ampliação dos debates sobre os marcos regulatórios das terapias de integração e as psicoterapias aliadas ao uso de psicodélicos, incluindo os debates políticos inevitáveis do nosso campo.

Destaco a importância da descriminalização dos psicodélicos pelo Supremo Tribunal Federal que pode ser realizada via Recurso Extraordinário (RE nº 635.659), as perspectivas de regulação dos usos terapêuticos de psicodélicos que incluam o Sistema Único de Saúde e dialoguem com as políticas públicas vigentes, inclusive garantindo a acessibilidade a essas formas de tratamento emergentes.

No debate clínico se destaca, internacionalmente, as pesquisas de fase 3 com psilocibina e MDMA. No Brasil, acredito que teremos a ampliação de pesquisas com substâncias psicodélicas no tratamento de transtornos mentais.

Certamente também teremos boas novidades no campo da formação profissional este ano por aqui, o que é importante para que o Brasil continue em uma boa posição no renascimento psicodélico mundial, não apenas no campo da pesquisa, mas igualmente nos debates políticos, sociais e regulatórios, sem perder as nossas especificidades socioculturais e a nossa potência de renovar e inovar o campo.

 

Stevens Rehen, pesquisador do Instituto D’Or e professor licenciado da UFRJ

O que mais marcou 2022 foram os estudos que ratificaram os efeitos antidepressivos da psilocibina e a descriminalização e legalização do consumo de psicodélicos derivados de fungos e plantas em mais um estado norte-americano, o Colorado.

E o que podemos esperar para 2023 é a aprovação pelo FDA [agência americana reguladora de medicamentos e alimentos] do MDMA associado à psicoterapia como forma de tratamento para o estresse pós-traumático. E descrições científicas do potencial terapêutico de psicodélicos para outras patologias, além das psiquiátricas, incluindo doenças neurológicas, demência e obesidade.

 

Bruno Rasmussen, médico clínico, pesquisador e consultor em medicina psicodélica, diretor médico da Clínica Beneva

Vejo que 2022 foi um ano em que houve uma profissionalização maior do meio psicodélico, algumas empresas fecharam e outras se sedimentaram melhor, está havendo uma espécie de seleção natural, onde apenas os projetos mais bem estruturados e sérios vão sobreviver. A conscientização das pessoas está aumentando, graças à divulgação da causa, e cada vez mais estas substâncias estão sendo levadas a sério.

Acredito que em 2023 esse processo vá continuar, é um ano onde teremos a conferência da Maps [Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies], que sempre é um marco, e mais um evento do Microdose Awards, do festival Wonderland, que está se firmando como um evento bastante representativo também.

E acho que na parte do business psicodélico, a seleção natural vai prosseguir, vitimando aquelas iniciativas mais especulativas mas fortalecendo as iniciativas mais sérias e estruturadas. Acredito que especificamente no Brasil vá se abrir novamente uma janela, depois de alguns anos fechada, para que se possa fazer mais pesquisas e aumentar o conhecimento sobre o assunto.

 

Cesar Camara, diretor-científico do Instituto Alma Viva

O que marcou o meio psicodélico em 2022 foi uma tendência muito clara para a descriminalização dos cogumelos psicoativos nos EUA, o que deve nos impulsionar para uma tendência mundial e, no Brasil, o surgimento de novas e consistentes iniciativas que vão além do lugar comum dos últimos anos, por exemplo, a recente produção científica brasileira com substâncias de extrema dificuldade regulatória como o LSD.

Em 2023, tenho plena convicção de que haverá um diálogo muito mais aberto e baseado na ciência justamente para a produção científica no Brasil em relação aos agentes de regulação, sociedade e governo. De nossa parte, estamos lançando uma pós-graduação lato sensu, já aprovada pelo MEC, para a formação em psicoterapia com uso de psicodélicos, com a participação de especialistas renomados no corpo docente. Esperamos, desta forma, contribuir para uma formação séria e de qualidade.

 

Sandro Rodrigues, músico, psicólogo e cofundador da Associação Psicodélica do Brasil

A meu ver, o que mais marcou o meio psicodélico em 2022, a nível internacional, foi a descriminalização da posse e uso dos cogumelos mágicos por maiores de 21 anos no Colorado, e o lançamento da série “How to change your mind” [Netflix], baseada no livro do Michael Pollan.

E, aqui no Brasil, teve a realização do primeiro Congresso Brasileiro sobre Psicodélicos, pela Associação Psicodélica do Brasil, na Fiocruz, em novembro passado, evento gratuito e presencial que reuniu um excelente time de pesquisadores de ponta, profissionais e ativistas diversos.

Para 2023, creio que teremos mais avanços aqui no Brasil, como a criação de capacitações e cursos de pós-graduação lato sensu na área, a publicação de mais livros e artigos científicos sobre o tema.

Outro ponto é ampliação do debate sobre psicoterapia de integração psicodélica e redução de danos junto ao Conselho Federal de Psicologia e instituições de saúde e, sem dúvida, um segundo Congresso Brasileiro sobre Psicodélicos.

Carlos Minuano

Jornalista e escritor, há mais de duas décadas escreve sobre psicodélicos nos principais veículos jornalísticos do país, como nas revistas CartaCapital, Rolling Stone, jornal Metro. É colaborador do portal UOL desde 2012. Além de dirigir a Psicodelicamente, atualmente trabalha na pesquisa para um livro sobre psicodélicos, que será publicado pela editora Elefante. É autor de duas biografias, “Tons de Clô” (do estilista Clodovil Hernandes) em adaptação para uma série de streaming, e “Raul por trás das canções” (do músico Raul Seixas), ambas publicadas pelo grupo editorial Record.

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