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Desafios da comunidade psicodélica em Israel

Acusação de genocídio do povo palestino cria campo de tensão para país que sediará em julho a conferência Psychedelic Medicine

Rodrigo Martins Leite*, para a Psicodelicamente

Foto: Freepik

O ataque do grupo islâmico extremista Hamas a um festival de trance psicodélico em 7 de outubro de 2023, no sul de Israel, perto da Faixa de Gaza, deixou uma marca atroz em seus 3.500 participantes: aproximadamente 250 pessoas foram mortas a tiros. 

Um exercício de empatia se faz necessário: a tradição nos festivais é considerar o amanhecer como a experiência-pico do evento, Certamente, a grande maioria das pessoas havia consumido algum psicodélico como MDMA ou psilocibina [substância presente em cogumelos alucinógenos, como o Psilocybe cubensis].

Desta forma, num momento de intensa abertura subjetiva e vulnerabilidade, estas pessoas estavam impossibilitadas de escapar, resistir ou se proteger minimamente durante o ataque do grupo. No meio de uma “jornada para paz, amor e unidade” prometida pelo festival organizado pela empresa Tribe of Nova, o mal puro aportou. 

A rave em Israel havia licenciado os direitos de uso do festival Universo Paralello, evento pioneiro do trance psicodélico no país, criado no Brasil em 2000 por Juarez Swarup Petrillo e a ex-esposa, Ekanta Jake. Os dois são pais dos irmãos gêmeos, os DJs Alok e Bhaskar. Importante salientar o papel da cena eletrônica no chamado “renascimento psicodélico” atual. 

Icônico, o Universo Paralello acontece todos os anos no sul da Bahia. No site do evento estão plasmados os elementos essenciais de qualquer comunidade psicodélica: oportunidade de vivências singulares fora do “matrix civilizatório”, desenvolvimento orgânico de uma consciência coletiva e de “uma atmosfera de liberdade e tolerância.” 

Tragicamente, os produtores israelenses da empresa Tribe of Nova, os também irmãos gêmeos Osher e Michael Waknin, grandes fomentadores da cena trance local foram assassinados no massacre. 

Comunidade psicodélica organizada

Desde o momento do ataque, a comunidade psicodélica organizada em Israel se colocou em prontidão. O projeto filantrópico SafeHeart, voltado às emergências de saúde mental relacionadas ao uso de psicodélicos, em parceria com o ministério da saúde de Israel e com a Israel Trauma Coalition atuou na conexão imediata de médicos, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas em geral para ajudar sobreviventes do festival e seus familiares. 

Por conta do histórico de guerras e conflitos e da militarização da sociedade, o Tept (transtorno de estresse pós-traumático) e demais condições psiquiátricas relacionadas ao trauma são foco de investimentos governamentais e suporte social em Israel. 

O SafeHeart conta com uma rede de 500 terapeutas, psiquiatras e assistentes sociais com experiência em trauma e na redução de danos em uso de substâncias. 

Desde o massacre, se tornaram referência para o Ministério da Saúde de Israel, indicando o grau de prioridade que têm recebido as vítimas do “7/10”, tragédia comparada ao “9/11” americano [data em que quatro aviões foram sequestrados para atacar edifícios emblemáticos dos Estados Unidos, resultando num total de 2.996 mortes].

Organizações de redução de danos como a SafeZone e a SafeShore prontamente ofereceram voluntários para cuidar destas pessoas na sala de emergência dos hospitais. 

A SafeShore capacita redutores de danos na cena psicodélica em Israel, Holanda, Reino Unido, Estônia e África do Sul e atua há oito anos nas festas através da oferta de espaços seguros para frequentadores de festas e festivais que estejam vivenciando experiências desafiadoras com psicodélicos.

Israel sediará a conferência Psychedelic Medicine 

A relação de Israel com substâncias como a cannabis e os psicodélicos pode parecer paradoxal na medida em que a política conservadora detém as rédeas do país desde o assassinato do ex-primeiro ministro Ytzhak Rabin em novembro de 1995 pelo judeu extremista Ygal Amir. 

O incentivo à pesquisa de psicodélicos e a utilização clínica corriqueira da maconha medicinal como política pública de saúde despertam reflexões sobre o pragmatismo israelense no campo. 

A mentalidade dominante tem contribuído para que Israel seja um dos expoentes mundiais nesta área. Uma importante mensagem para o mundo do que acontece quando a sociedade se liberta do pânico moral e encara o uso de psicodélicos como algo inerente à cultura humana e com potencial terapêutico significativo diante do esgotamento dos tratamentos convencionais em saúde mental.  

Em julho deste ano, Israel sediará a conferência Psychedelic Medicine, que acontecerá em Tel Aviv. Pelo peso dos convidados internacionais e locais, será um evento impactante no universo psicodélico, além de potencial campo de tensão num momento crítico de guerra e acusações de genocídio do povo palestino. 

Desde os ataques em 2023, o governo israelense declarou guerra ao Hamas. No momento, estima-se que 136 pessoas permaneçam como reféns do grupo extremista. Do lado palestino, mais de 25,7 mil foram mortas em ataques de Israel. Como os psicodélicos lidarão com tamanha dissonância cognitiva?

De qualquer modo, a proatividade da rede psicodélica Israelense serve de paradigma de articulação, potência e capilaridade para as comunidades deste campo pelo mundo – destacando o desafio brasileiro que, diferentemente de Israel, sofre com o cativeiro das pautas progressistas de conservadores em todos os níveis. 

Valores intrínsecos da psicodelia como conectividade, pensamento sistêmico, humanismo e empatia podem ser operacionalizados de modo a oferecer contribuições sociais mais amplas e solidárias. Para israelenses, palestinos, brasileiros, indígenas, negros. Todos. 

*Rodrigo Martins Leite é psiquiatra e professor colaborador do IPq (Instituto de Psiquiatria) da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

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