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Uso de psicodélicos no Carnaval é perigoso, dizem especialistas

Frequentemente utilizado em festas, baladas e raves, ecstasy também está em cardápio de foliões, mas consumo traz riscos graves à saúde

Paula Nogueira, para a Psicodelicamente

Foto: Freepik

O calor do verão e a temporada da folia carnavalesca é uma das épocas mais esperadas do ano. Bloquinhos e trios elétricos já estão embalando a festa pelas cidades brasileiras. Mas, em meio a esse animado e anárquico ziriguidum, um comportamento tem chamado a atenção: o consumo de drogas psicodélicas misturadas com álcool. Sob um sol escaldante é uma mistura ainda mais perigosa. E demanda uma atenção especial sobretudo durante o Carnaval, alertam especialistas. 

Em janeiro uma notícia sobre a livre comercialização de ecstasy, nome de rua do MDMA (sigla para metilenodioximetanfetamina) misturado com álcool de diversos sabores, chamado de ‘sacolé com bala’, no pré-Carnaval do Rio de Janeiro viralizou nas redes sociais, causando surpresa e apreensão. 

Segundo Bruno Rasmussen, diretor médico das Clínicas Beneva, não se deve consumir MDMA junto com álcool, porque podem causar efeitos bastante prejudiciais. “É perigoso misturar substâncias por causa das interações, independentes de quais elas forem.” 

O ecstasy frequentemente utilizado em festas, baladas e raves agora parece ter entrado também no cardápio de foliões. Mas, os efeitos da droga no organismo, como o aumento da frequência cardíaca, pressão arterial e temperatura ocorrem imediatamente após a ingestão do psicodélico. E isso no meio de um bloquinho de Carnaval pode não terminar bem. 

“O MDMA tem esse efeito natural de aumentar a temperatura nesses ambientes de muito calor e de baixo consumo de líquidos, pode haver uma desidratação ou até uma hipertermia que é um quadro bastante grave. É potencialmente perigoso, pode levar a óbito”, afirma Rasmussen. 

O ideal é intercalar a atividade física intensa com ambientes frescos e usar roupas leves para manter a temperatura do corpo mais regulada e beber água. “É importante o consumo de líquido sob o uso do ecstasy, mas também é preciso ter cuidado para não exagerar. Existem relatos de pessoas que consomem quantidades muito grande e se hiperidratam”, pondera o médico. 

Os efeitos na mente

O MDMA bloqueia a conexão entre a amígdala, região primitiva do cérebro responsável pelo cuidado e autopreservação, e o resto do córtex, principalmente a parte frontal, do raciocínio mais elaborado e complexo, que reduz a sensação de medo.

Essa alteração provoca sentimentos como euforia, coragem desmedida, confiança exagerada e empatia intensificada, criando potenciais oportunidades para situações de risco. 

“A pessoa pode até estar com medo, mas ela não percebe. É importante destacar que isso pode ser prejudicial”, comenta Rasmussen.

No entanto, o consumo de algumas substâncias psicodélicas em ambientes de multidão e aglomeração requer cuidado redobrado para evitar situações perigosas.

O MDMA causa um efeito conhecido como empatógeno, ou seja, faz aumentar a empatia. Se a pessoa estiver pensando em abuso, por exemplo, o MDMA pode facilitar, alerta o médico. 

Rasmussen destaca que os riscos de usar a substância fora do contexto terapêutico incluem a dificuldade em perceber pessoas mal-intencionadas e adquirir uma confiança excessiva em quem está ao redor. 

Avanços nas pesquisas

O esforço contínuo dos pesquisadores em busca de novos tratamentos para transtornos mentais com substâncias psicodélicas tem ganhado cada vez mais impulso. Em dezembro de 2023, a FDA (a Anvisa dos Estados Unidos) recebeu uma solicitação para a aprovação de um novo medicamento contendo MDMA para o tratamento de Tept (transtorno de estresse pós-traumático).

“No ambiente terapêutico, os riscos são mínimos, principalmente porque antes de receber o MDMA, a pessoa passa por uma bateria de exames, incluindo testes de laboratório, exames físicos e avaliações psicológicas, para determinar se ela está apta para o uso”, relata Rasmussen.

Em 2016, Rasmussen e outros três pesquisadores brasileiros foram convidados pela Maps (sigla em inglês para Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos) para um treinamento teórico e prático sobre o uso do MDMA no tratamento de Tept, em Los Angeles, na Califórnia, e em Charleston, na Carolina do Sul. 

O tratamento é especialmente indicado para veteranos de guerra nos Estados Unidos. No Brasil, os traumas estão mais relacionados às vítimas de abuso sexual. 

“Tanto o abuso sexual quanto a guerra resultam em trauma, e o MDMA, combinado com psicoterapia, trata igualmente ambos os tipos”, explica o médico.

Redução de danos no carnaval 

Durante o Carnaval, o consumo de psicodélicos é comum, mas é necessário estar atento aos riscos associados, adverte Fernando Beserra, psicólogo e coordenador da APB (Associação Psicodélica do Brasil), que lidera ações de redução de danos em festas e eventos para auxiliar pessoas em crises relacionadas ao uso de alucinógenos. 

Beserra destaca que doses elevadas de psicodélicos podem deixar as pessoas vulneráveis em espaços lotados. Ele enfatiza a importância de estar com pessoas de confiança que possam oferecer suporte, se necessário. Além disso, a ingestão contínua e gradual de água é fundamental, juntamente com pausas para descanso, permitindo que o corpo regule sua temperatura de forma adequada.

Enquanto os psicodélicos são considerados seguros dentro de um contexto terapêutico com orientação médica, as substâncias vendidas nas ruas apresentam riscos significativos.

“É extremamente comum que as substâncias encontradas no mercado não sejam MDMA, mas sim metcatinona, como a metilona ou butilona (estimulantes), ou outras substâncias como diferentes tipos de anfetaminas”, alerta Beserra.

Muitos dos adulterantes encontrados em drogas como o ecstasy, frequentemente vendidas como balas, representam riscos diferentes, por vezes muito maiores que o próprio MDMA, adverte o coordenador. Ele recomenda enfaticamente a testagem das substâncias sempre que possível.

Paula Nogueira

Jornalista, com formação técnica em rádio, pós-graduanda em Gestão da Comunicação Digital e Mídias Sociais. É colaboradora do UOL e da revista Psicodelicamente e atualmente também trabalha na pesquisa da biografia Tião Carreiro – Vida e Viola.

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