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Qual a situação jurídica dos cogumelos mágicos no Brasil?

Os cogumelos mágicos, ou psicodélicos, estão na crista da onda, mais famosos do que nunca. Uma das razões é o avanço de estudos científicos que estão comprovando sua eficácia terapêutica para o tratamento de transtornos mentais como depressão e ansiedade em seus estados mais severos. Com a notícia correndo na mídia, muitos estão correndo para o pasto mais próximo ou comprando pela internet o produto em cápsulas, ou secos. Os mais ponderados, antes, se fazem uma pergunta: qual a situação jurídica dos cogumelos mágicos no Brasil? Apesar do entusiasmo da ciência com a substância, a psilocibina, princípio ativo dos cogumelos mágicos, permanece na lista de substâncias psicotrópicas, esclarece o advogado Konstantin Gerber, especializado em psicodélicos. Mas, ele aponta que o cultivo do fungo não é proibido. “O cogumelo que está listado é o Claviceps paspali Stevens & Hall, do qual se pode extrair o LSD. Ainda que seja um fungo, está na lista de ‘plantas’ que podem originar substâncias psicotrópicas. Já as espécies do gênero Psilocybe não estão listadas”. Veja mais na entrevista concedida à Psicodelicamente.

Carlos Minuano - Revista Psicodelicamente

Foto: ELG21 - Pixabay

Psicodelicamente: O cultivo de cogumelo mágico é proibido no Brasil?

Konstantin Gerber: O cogumelo que está listado é Claviceps paspali Stevens & Hall, do qual se pode extrair o LSD. Ainda que seja um fungo, está na lista de ‘plantas’ que podem originar substâncias psicotrópicas. Já as espécies do gênero Psilocybe não estão listadas. O cogumelo mágico não está no controle internacional, o que está sob fiscalização é a psilocibina, com cinco diferentes denominações ou estruturas químicas. A Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes da ONU reconhece que o cogumelo mágico pertence a tradições de cerimônias indígenas, porém isso não significa que não se possa querer controlar no âmbito nacional. Foi o que aconteceu com a inclusão da Salvia divinorum na lista restritiva da ANVISA.

O que está sob controle especial de acordo com a Anvisa?

A psilocina e a psilocibina estão na lista F2 de substâncias psicotrópicas, o que significa que somente medicamentos registrados podem ser prescritos com estas substâncias, sendo necessária uma autorização especial para pesquisar e manipular. Existe potencial terapêutico e inclusive já tem alguns pedidos de patente no Brasil. São pedidos estrangeiros que abrangem a preparação, a produção da psilocibina e métodos envolvendo derivado de psilocibina. Normalmente, a Anvisa atualiza a lista colocando adendos para explicar que certos produtos ou certas composições químicas ficam sujeitas ao controle especial. 

Qual a situação atual da cetamina?

A cetamina foi para a Lista B1 de substâncias psicotrópicas, isso significa que é possível a prescrição médica em estabelecimentos de saúde por meio de receita controlada tipo b, um talonário de cor azul que os médicos têm que buscar na Secretaria de Vigilância Sanitária, sendo que no caso do spray de escetamina o paciente tem que ser monitorado e observado por profissional de saúde “até ser considerado clinicamente estável e pronto para deixar o estabelecimento”. Esse spray de escetamina já foi aprovado pela Anvisa. É um tratamento para depressão resistente à depressão. Na Unifesp estão pesquisando injeções subcutâneas de cetamina. Existe o uso em anestesia, aí permanece a discussão do uso off label [sem bula] para depressão sob responsabilidade do médico. Com aprovação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, o tratamento passa a fazer parte de protocolos clínicos do sistema público. A Universidade Federal de Campina Grande pretende pesquisar a psilocibina. No Brasil, existem pesquisas também com LSD, DMT e MDMA. O certo seria o Estado criar editais com fomento à pesquisa com valorização dos saberes ancestrais, para estudarmos formas de interculturalidade no sistema único de saúde.

Pode comentar um pouco sobre a questão das patentes e os direitos indígenas?

À luz do Protocolo de Nagoia da Convenção da Diversidade Biológica da ONU, quando se pleiteia uma patente para uma invenção derivada de conhecimento tradicional, mesmo que seja um derivado bioquímico, é preciso respeitar um protocolo comunitário para estabelecimento da repartição de benefícios com a comunidade detentora do conhecimento. No Brasil, existe uma distinção entre conhecimento de origem identificável e de origem não identificável na Lei da Biodiversidade. Quando o conhecimento é partilhado por muitas comunidades, não se podendo atribuir uma origem, aí nestes casos é possível pensar numa espécie de acordo setorial com o Estado para a estipulação da repartição de benefícios. Quando são saberes partilhados por comunidades situadas em diferentes países como nos casos da ayahuasca e da folha de coca, aí podem ser pensados mecanismos de cooperação internacional entre os países para a instituição da repartição de benefícios com as comunidades. 

E no caso da psilocibina?

Existem algumas polêmicas internacionais. Enquanto uma empresa inglesa busca patentear uma formulação de psilocibina para ser utilizada em terapia para depressão resistente a tratamento, ao mesmo tempo um instituto nos Estados Unidos vem publicando estudos sobre psilocibina abertamente. Já existem questionamentos no Escritório de Patentes dos EUA se a tal psilocibina sintética patenteada é mesmo uma invenção para além do feito de Albert Hofmann. A pergunta que faria é se estas patentes guardam ou não relação com o saber tradicional dos rituais de cura mazatecos, no México. 

Pode ser mais específico?

As patentes atuais com psilocibina guardam relação ou não com os rituais das ‘veladas’ frequentados por Gordon Wasson em 1955? Recentemente soube de iniciativas de centros de medicina tradicional indígena e de iniciativas de pesquisas interculturais com a participação de indígenas e não indígenas. Desde que isso conte com aprovação comunitária, talvez possa ser um caminho mais respeitoso para pesquisa. A questão é escutarmos o que as comunidades indígenas têm a dizer sobre o que nós juristas chamamos de gestão do “patrimônio biocultural”.

O que dizer sobre anúncios em rede social sobre cogumelos mágicos para finalidades científicas?

A autorização especial para pesquisa é um requisito obrigatório para manipular a substância isolada. É possível uma autorização para pessoa jurídica que tenha essa finalidade científica. Sobre o anúncio em rede social de cogumelo mágico, a ANVISA detém competência para fiscalizar a substância isolada. No âmbito de sua competência poderia apreender numa ação de fiscalização, caso entenda ser um produto que merece registro ou notificação. Isso aconteceu com florais de Ayahuasca comercializados na internet. Se for equiparado a um cogumelo comestível está isento de registro. A questão é se, no entender da ANVISA, caso esta venha a constatar, no futuro, a existência do chamado risco sanitário, que o produto passe então a necessitar de registro. Na ausência de marco regulatório, existe a lei que assegura a liberdade econômica, é um tema em aberto.

A venda de cogumelos psicodélicos pode ser considerada tráfico de drogas?

Para precursores existe também uma lista específica. O cogumelo mágico não está lá. Agora já houve caso em que se considerou a cafeína como insumo para aumentar o volume de entorpecentes em condenação por tráfico no STJ. Se ficar provado que o plantio ou a posse de quantidade de cogumelo têm finalidade de extração com isolamento químico de substância para comércio sem autorização administrativa há risco de acusação de tráfico, dentre outras. Existem alguns casos que chegam aos tribunais, mas normalmente é feito o laudo atestando psilocibina em apreensões com outras substâncias. Depende das circunstâncias do caso. Finalidades científicas e ritualísticas devem ser ressalvadas, mas este é meu entendimento particular, a discussão sobre uso terapêutico e usos ritualísticos está acontecendo agora. O que temos é o posicionamento da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes de que rituais indígenas estão fora do controle internacional. Da mesma forma, cabe lembrar das reservas (de interpretação) que foram feitas quando da adesão à Convenção das Substâncias Psicotrópicas de 1971 tanto pelo México, quanto pelo Peru para rituais mágico-religiosos tradicionais indígenas.

Como vê a questão do uso terapêutico da psilocibina em outros países?

Posso comentar brevemente sobre os Estados Unidos. Existem iniciativas de descriminalização. Agora, o interessante mesmo foi a instituição de um serviço público para psilocibina do Estado do Oregon, com regulação, licenças para transporte, compra, venda, manipulação e entrega de produtos de psilocibina. Eles contam com um programa de treinamento para os serviços de sessão com ingestão de psilocibina sempre com supervisão, bem como sessões posteriores de integração da chamada experiência psicodélica.

Carlos Minuano

Jornalista e escritor, há mais de duas décadas escreve sobre psicodélicos nos principais veículos jornalísticos do país, como nas revistas CartaCapital, Rolling Stone, jornal Metro. É colaborador do portal UOL desde 2012. Além de dirigir a Psicodelicamente, atualmente trabalha na pesquisa para um livro sobre psicodélicos, que será publicado pela editora Elefante. É autor de duas biografias, “Tons de Clô” (do estilista Clodovil Hernandes) em adaptação para uma série de streaming, e “Raul por trás das canções” (do músico Raul Seixas), ambas publicadas pelo grupo editorial Record.

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