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Medicine Festival teve ares de conto de fadas psicodélico

Regado com cogumelos mágicos, evento reuniu cerca de 5 mil pessoas na Inglaterra

Flávia Feitosa, de Reading, no Reino Unido, para a Psicodelicamente

Foto: Flávia Feitosa

Um conto de fadas psicodélico em uma vila medieval regado com cogumelos mágicos. Acreditem, esta é uma imagem que descreve fielmente a última edição do Medicine Festival, que aconteceu em agosto na cidade de Reading na Inglaterra.

A cidade de 150 mil habitantes fica próxima a histórica e mágica construção de Stonehenge, uma estrutura de pedras construída há cerca de 3 mil anos a.C, cuja construção desafia até hoje nosso entendimento, por ser composta por pedras que pesam toneladas, provavelmente transportada por longas distâncias e dispostas de uma forma que indicam seu objetivo ritualístico. 

Cerca de 5 mil pessoas conviveram durante cinco dias da maneira mais harmoniosa possível, acampados em um espaço com lagos, saunas, piscinas à 6ºC, sete palcos e inúmeras tendas. 

Os trabalhos começaram com uma abertura ecumênica acompanhada de uma homenagem à Pachamama, a Mãe Terra. A intensa programação (de 29 páginas) começava todos os dias às oito horas da manhã e terminava às três da madrugada. 

A alimentação era toda vegetariana, nada de bebidas alcoólicas. Mas para quem quis, teve uma farta oferta de cogumelos mágicos, vendidos em barracas de chocolate, chás, em artefatos variados ou acompanhando os preparos culinários. 

Fora isso, teve shows, concertos, workshops de ioga, atividades corporais, soundhealings, meditações com gongos, práticas de respiração. Foram cinco dias de diversão e relaxamento, mas com um enfoque especial no autoconhecimento e autodesenvolvimento – e por isso mesmo os cogumelos mágicos fizeram todo sentido.

O uso dos cogumelos pela humanidade não é uma novidade. Há registros, por exemplo, de cogumelos desenhados nas pirâmides do Egito, próximos a outras imagens que indicam a relação com rituais de conexão espiritual ou de cura. 

Atualmente, pesquisas retomadas em todo o mundo investigam os efeitos da psilocibina, substância presente em cogumelos, como o Psilocybe cubensis, que igual a outras substâncias, por exemplo o LSD e a  DMT (presentes nas beberagens ayahuasca e jurema), possuem uma estrutura química similar ao neurotransmissor serotonina, mais especificamente na forma de uma triptamina modificada. 

Essas substâncias têm afinidade com os receptores de serotonina no cérebro e produzem efeitos psicodélicos por meio da ativação desses receptores. Pesquisas indicam que a psilocibina tem efeitos medicinais que auxiliam no tratamento de pacientes em sofrimento existencial por estarem com câncer em estágio avançado, depressão, distúrbios alimentares, TEA (transtorno do espectro do autista), entre outras.

Cenário do conto de fadas

A decoração, as apresentações musicais e a leveza das pessoas compunham um cenário do conto de fadas. Fantasias, apresentações circenses incríveis somadas à gentileza do público davam a sensação de um sonho bom. 

O consumo de cogumelos psicodélicos correu livremente e, aos meus olhos, sem problemas, em meio a presença de famílias inteiras, com crianças pequenas andando e brincando pelos espaços. 

Não faltou também o que comprar – foi um outro festival. Teve opções para todos os gostos. Os participantes puderam dar aquele up especial no visual em uma feira de roupas, ou então comprar tambores, óleos essenciais, cogumelos medicinais, sendo a comida um capítulo à parte e espetacular. Imaginem todas as comidas do Oriente ofertadas em um mesmo festival (indiana, tailandesa, etiope, malaia, viatinamita entre outras, e tudo vegetariano!).

No item roupas, o público vestido à moda antiga reforçou o toque de cenário medieval. Em alguns momentos parecia uma festa à fantasia. Não foi combinado, mas acho que todos, inclusive eu, separamos as roupas mais queridas, às vezes com brilhos, às vezes com ar de componês. Tinha uma pegada melancólica que remetia ao passado. Ou também uma tentativa de viver mesmo um conto de fadas.

As acomodações também supreeenderam. Os acampamentos, do mais simples aos mais sofisticados, traziam uma nostalgia de uma vida comunitária que não existe mais.

Evento teve campanha pela liberação dos psicodélicos. Foto: Flávia Feitosa

Redução de danos 

Impossível não mencionar a presença da turma da redução de danos, sempre atendendo alguém para um bom papo. Também foi notável a raríssima presença de pessoas passando mal, como de costume em festivais.

Na parte central das tendas, um grupo divulgava uma campanha pela liberação dos psicodélicos. “Muitos lugares do mundo estão descriminalizando e liberando a psilocibina baseados em pesquisas que também acontecem na Inglaterra. Estamos à frente das pesquisas e atrasados na legislação”, argumentam os manifestantes.

Apesar dos cogumelos medicinais e outros alucinógenos terem seu uso ainda proibidos na Inglaterra, isto não impediu que o país se tornasse um dos principais pólos dos recentes avanços da ciência psicodélica. 

A condessa Amanda Fielding, em 1998, fundou a Foundation to Further Consciousness, que mais tarde foi rebatizada como Beckley Foundation. A ONG dirige e apoia pesquisas sobre os efeitos de substâncias psicoativas no cérebro e na cognição. Já investiu e levantou dezenas de milhões de libras para o estudo dos psicodélicos com resultados promissores. Em 2019, o Imperial College de Londres também criou o seu pioneiro Centro para Pesquisas Psicodélicas. 

Tomara que um dia o mundo todo possa conviver livremente com os psicodélicos, como no conto de fadas do Medicine Festival, e que possamos trazer esperança para o tratamento de doenças para as quais não encontramos a cura ou algo que minimize as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que sofrem com elas. Aliás, já encontramos, só não podemos (ainda) oferecer.

Flávia Feitosa

Flávia Feitosa é doutora pela USP (Universidade de São Paulo) e mestre em psicologia social pela London School of Economics and Political Science, graduada em psicologia pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista em processos grupais e em gestão educacional. É professora na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), na FGV (Fundação Getúlio Vargas) e na Casa do Saber. Atuou por duas décadas como executiva em multinacionais e no mercado educacional brasileiro. Está em processo de formação em PAP (Psicoterapia Assistida por Psicodélicos) pelo Instituto Phaneros e atua como psicóloga, psicoterapeuta e consultora focada em desenvolvimento de pessoas, líderes e times. É colaboradora e consultora científica da Psicodelicamente.

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