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“Marco temporal viola direitos indígenas e ambientais”, diz Cristiane Pankararu

Aprovação do PL 490 pode afetar territórios dos povos originários ayahuasqueiros no Acre e em outras regiões, afirma a indígena

Carlos Minuano, para a Psicodelicamente

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

“O PL 490 é um retrocesso, além de inconstitucional, causa insegurança jurídica”, afirma Cristiane Julião, do povo Pankararu. A indígena, que é integrante do CGen (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético), órgão vinculado ao Ministério do Ambiente, se refere ao projeto de lei aprovado na semana passada na Câmara dos Deputados, com 283 votos a favor e 155 contra. 

O texto trata do marco temporal para demarcação de terras indígenas. ”É uma violação de vários direitos, nacionais e internacionais, e um retrocesso também para a área ambiental”, ressalta a indígena. Segundo ela, a aprovação do PL pode afetar, entre outros, os territórios dos povos ayahuasqueiros indígenas no Acre.

É claro que o temor não se limita aos povos e saberes relacionados à ayahuasca, como aponta a bióloga Nurit Bensusan, pesquisadora do ISA (Instituto Socioambiental). Segundo ela, certamente muitas outras substâncias ligadas a conhecimentos indígenas estão ameaçadas pelo marco temporal. “Por onde passa um boi, passa uma boiada, pode ser o começo de um conjunto de ameaças a todos os territórios indígenas.”  

O texto passa agora pela análise do Senado, que pode manter o marco temporal ou não. Se aprovado, os povos indígenas e tradicionais terão direito somente às terras que ocuparam até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. 

Outra decisão importante pode sair nesta quarta, 7, no STF (Supremo Tribunal Federal), que vai retomar o julgamento que avalia a legalidade da tese do marco temporal, ou seja se a data de promulgação da Constituição pode ser usada como parâmetro para definir as demarcações de terras dos povos tradicionais.

Cristiane Julião alerta para as ameaças que PL traz. Ela teme que a aprovação do marco temporal possa promover a remoção forçada de diversos povos indígenas de seus territórios e o confinamento em áreas menores. “É o apagamento da nossa história, mais uma vez.” 

Indígena Cristiane Pankararu/Arquivo pessoal

A quem interessa?

A indígena Cristiane Julião prevê um combo trágico de problemas que poderiam vir a partir da aprovação do projeto de lei do marco temporal.  “Arrendamento de terras, facilitação para empreendimentos em entornos de terras indígenas, garimpo, mineração, desmatamento, caça predatória, pode ser devastador não só para os povos indígenas, que vão ser atingidos diretamente, mas para todos e de várias maneiras.”

Mas, se é tão nocivo, a quem interessa esse projeto de lei? Segundo informações da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), o PL 490 atende especialmente ao setor do agronegócio. “A tese do marco temporal nasceu praticamente encomendada pelo setor ruralista, que com grande influência econômica conseguiu ao longo dos anos aumentar sua bancada no Congresso Nacional e assumir um papel anti-direitos quanto à demarcação de terras indígenas e quilombolas”, defende a organização indígena.

Parte do lobby a favor do marco temporal argumenta que a demarcação das terras indígenas interfere em direitos individuais e em questões relacionadas com segurança de fronteiras, política ambiental e exploração de recursos hídricos e minerais. Vale destacar que caso o PL 490 seja aprovado, todas as terras indígenas, independente da situação e da região em que se encontram, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando 1393 territórios sob ameaça direta.

(Com informações da Agência Brasil e Apib) 

Carlos Minuano

Jornalista e escritor, há mais de duas décadas escreve sobre psicodélicos nos principais veículos jornalísticos do país, como nas revistas CartaCapital, Rolling Stone, jornal Metro. É colaborador do portal UOL desde 2012. Além de dirigir a Psicodelicamente, atualmente trabalha na pesquisa para um livro sobre psicodélicos, que será publicado pela editora Elefante. É autor de duas biografias, “Tons de Clô” (do estilista Clodovil Hernandes) em adaptação para uma série de streaming, e “Raul por trás das canções” (do músico Raul Seixas), ambas publicadas pelo grupo editorial Record.

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