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Estamos vivendo um renascimento xamânico, diz Jeremy Narby

Em entrevista, antropólogo canadense defende que a globalização da ayahuasca, mesmo com problemas, tem lado positivo

Carlos Minuano, para a Psicodelicamente

Foto: Carlos Minuano

Estima-se que mais de quatro milhões de pessoas já consumiram a ayahuasca em algum momento de suas vidas. Só em 2019 foram aproximadamente 820 mil indivíduos, o que se traduz em cerca de cinco milhões e meio de doses da bebida psicoativa utilizada há milhares de anos por povos indígenas amazônicos. 

Os dados são de um levantamento realizado na América, Europa, Austrália e Nova Zelândia pelo Iceers (International Center for Ethnobotanical Education, Research, and Service), da Espanha. O relatório foi produzido entre 2020 e 2021 e divulgado no último mês de junho.

Por promover uma explosão no consumo e uma escalada do chamado turismo psicodélico, a globalização da ayahuasca tem sido apontada por alguns especialistas como uma ameaça ao conhecimento tradicional dos povos indígenas e também para a sustentabilidade das plantas usadas no preparo da beberagem. 

Em entrevista à Psicodelicamente, Jeremy Narby, antropólogo canadense radicado na Suíça, defende que esse movimento tem também um lado positivo. “O interesse externo no xamanismo amazônico levou os indígenas a reconsiderar o valor de seu próprio conhecimento.”

“Depois de 500 anos vendo seus saberes desvalorizados, uma tendência contrária, mesmo com suas tendências monetarizadas e individualizadas, é uma mudança bem-vinda”, avalia Narby. 

Segundo ele, tal como a empolgação mundial em torno da nova onda de pesquisas científicas com substâncias alucinógenas, que ficou conhecida como renascença psicodélica, está havendo uma espécie de renascimento xamânico. Entretanto, ele vê muitos desafios para um diálogo entre os dois campos, ciência e conhecimento indígena. 

A retomada das pesquisas com psicodélicos e seus resultados animadores, que acumulam evidências sobre o potencial terapêutico dessas substâncias gerou um mercado que já movimenta milhões de dólares ao redor do mundo. 

Já há iniciativas pelo mundo buscando transformar a ayahuasca em um medicamento para depressão, vícios, traumas e outras doenças. Enquanto isso, indígenas continuam enfrentando perseguições. Há inclusive casos de prisões por porte do chá amazônico em alguns países. Narby diz observar com ceticismo esse movimento.  

“Transformar psicodélicos em medicamentos geradores de dinheiro para a indústria farmacêutica é obviamente repleto de complexidades e contradições”, avalia o antropólogo. Conseguir que cientistas estabeleçam um diálogo sincero com os detentores do conhecimento indígena é outro desafio dos grandes, diz ele. 

E as dificuldades não param por aí, prossegue Narby. “Conseguir que as pessoas, cientistas ou não, sejam solidários com os indígenas e as perseguições que continuam enfrentando é ainda mais difícil.”

 

‘Cientistas estão confirmando o que os xamãs já sabiam’

Aproximar ciência e saberes indígenas é o que o antropólogo Jeremy Narby procura fazer em seu livro “Plantas Mestras – Tabaco e Ayahuasca” (editora Dantes), lançado no Brasil em 2022.

Segundo ele, cientistas estão confirmando o que os xamãs já sabiam há muito tempo. “Os povos indígenas há muito dizem que os humanos têm parentesco com outras espécies, e cientistas agora confirmam isso”, observa o antropólogo. 

“Da mesma forma, eles há muito sustentam que as espécies vivas têm inteligência, e a ciência passou a reconhecer isso também”, conclui Jeremy Narby que também é autor de “A Serpente Cósmica” (lançado no Brasil em 2018, pela editora Dantes).

Entretanto, outros dados do relatório do Iceers sobre o impacto da globalização da ayahuasca sugerem que esse ‘renascimento xamânico’ parece não estar acontendo para muitos povos indígenas. O estudo pode inclusive reforçar a hipótese de que a medicina tradicional indígena está perdendo força ou desaparecendo em seus terrritórios originais. 

A investigação conduzida pelo centro de pesquisa espanhol apontou que apenas 10% dos quatro milhões de pessoas que utilizaram o chá pelo mundo pertencem a grupos indígenas nos quais a bebida amazônica representa tradicionalmente uma parte integrante de seus sistemas de conhecimento. 

Em breve, a Psicodelicamente publicará outras matérias com mais informações sobre o levantamento do Iceers, que também analisa casos de morte associadas ao consumo de ayahuasca e divulgadas na mídia.

Carlos Minuano

Jornalista e escritor, há mais de duas décadas escreve sobre psicodélicos nos principais veículos jornalísticos do país, como nas revistas CartaCapital, Rolling Stone, jornal Metro. É colaborador do portal UOL desde 2012. Além de dirigir a Psicodelicamente, atualmente trabalha na pesquisa para um livro sobre psicodélicos, que será publicado pela editora Elefante. É autor de duas biografias, “Tons de Clô” (do estilista Clodovil Hernandes) em adaptação para uma série de streaming, e “Raul por trás das canções” (do músico Raul Seixas), ambas publicadas pelo grupo editorial Record.

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