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Congresso sobre psicodélicos irá abordar ciência, cultura e política

Realizado pela Associação Psicodélica do Brasil, evento com mais de duas dezenas de palestrantes acontecerá em novembro no Rio de Janeiro com entrada gratuita

Thaís Ferrari, para a Psicodelicamente

Foto: Freepik

Apesar da onda de conservadorismo que paira sobre o Brasil e dos retrocessos na ciência, com cortes em financiamento de pesquisas, o Rio de Janeiro sediará a primeira edição do Congresso Brasileiro sobre Psicodélicos: clínica, ciência e política. Voltado para todos os públicos e totalmente gratuito, o evento organizado pela APB (Associação Psicodélica do Brasil) será realizado na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

Composto por seis mesas temáticas que permeiam todo o cenário multifacetado dos psicodélicos, o congresso engloba os variados usos terapêuticos dessas substâncias. Processos regulatórios, direitos humanos, política, psicoterapia de integração, neurociências, redução de danos e as interfaces do tema com a contracultura estão entre os temas abordados.

Participam do congresso mais de duas dezenas de palestrantes de diferentes regiões do país. Professores, psicólogos, jornalistas, psiquiatras, farmacêuticos, médicos, biólogos, cientistas, antropólogos, advogados, pesquisadores, psiconautas e ativistas irão dialogar sobre a conjuntura da renascença psicodélica, sobretudo no Brasil.

Desde a contracultura, na década de 1960, quando o proibicionismo ganhou força, pesquisas científicas com os psicodélicos foram interrompidas. No entanto, com o chamado renascimento psicodélico, nos últimos anos estudos com estas substâncias foram retomados, principalmente sobre o potencial terapêutico para doenças mentais severas, como a depressão e o transtorno de estresse pós-traumático, temas que serão debatidos no congresso.

De certa forma, o evento no Rio é um desdobramento dessa história. O psicólogo Fernando Beserra, 38, cofundador e coordenador da APB, conta que o congresso marca a consolidação da associação, fundada oficialmente em 2015, após a realização em 2014 de um seminário sobre psicodélicos, também no Rio de Janeiro, segundo ele, “um marco para a época”.

Foi um longo caminho até chegar ao atual momento, diz Beserra. “O avanço do debate sobre terapias psicodélicas, central hoje no congresso, em 2014, era o menor dos temas, era uma discussão ainda embrionária”, relembra.

Beserra, que também é doutor e mestre em psicologia clínica e pós-doutorando em psicologia na investigação de psicodélicos no tratamento de transtornos mentais, explica que, além dos debates sob a perspectiva acadêmica, o congresso visa dialogar sobre a situação política e regulatória que permeia o acesso aos psicodélicos no Brasil.

“A APB fez questão de construir todo um referencial político, não só de debate, mas de ações e intervenções nesse campo. Os frutos do nosso debate político também foram amadurecendo”, comenta. Beserra garante que questões polêmicas como uso social e recreativo e a guerra às drogas também estarão na pauta do evento.

Realizar o evento na Fiocruz é também um marco, comemora Beserra. “Estamos pensando sobre acesso, como evitar que esses tratamentos fiquem restritos a uma elite econômica, um grupo pequeno de pessoas. Fazer o congresso em uma instituição pública representa uma aproximação desse debate com o SUS [Sistema Único de Saúde] e com o Ministério da Saúde”, destaca.

Do uso terapêutico à contracultura

As seis mesas temáticas do congresso contam com nomes relevantes da ciência psicodélica brasileira, como o psiquiatra e professor de psiquiatria da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Luís Fernando Tófoli, que abre o evento. Em seguida, Fernanda Palhano, do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), Edward MacRae, doutor em antropologia, e o psicólogo Bruno Ramos debatem o uso terapêutico de psicodélicos

A segunda mesa será composta pelo pesquisador e co-fundador da APB, Márcio Roberto, pelo psicólogo Fábio Lopes, pela antropóloga Sandra Goulart e pelo advogado Emílio Figueiredo, que estarão trocando informações sobre psicodélicos e processos regulatórios. Fecha o primeiro dia do congresso, uma conversa sobre  psicodélicos, direitos humanos e política, com a jornalista Caroline Apple, o médico e redutor de danos Rafael Baquit e a professora e advogada Luciana Boiteux.

Abrem o segundo e último dia, a psicoterapeuta clínica Daniela Monteiro e o psicólogo Sandro Rodrigues (também co-fundador da APB) em uma mesa sobre psicoterapia de integração. Depois o debate será sobre neurociências com o psicólogo Daniel Mograbi e Renato Filev, doutor em neurociências.

O tema redução de danos será abordado pelos mestres e doutores em psicologia, Bheatrix Bienemann e Fernando Beserra com a participação da farmacêutica Ana Cristhina Maluf e da psicóloga Anna Castro. Um bate-papo sobre o caldo contracultural dos psicodélicos encerra o evento com o psicólogo e psiconauta Felipe De Nadai, o jornalista e editor da Psicodelicamente, Carlos Minuano e o jornalista Júlio Delmanto.

Todas as mesas temáticas serão seguidas de debates acerca dos assuntos apresentados pelos palestrantes. No final do último dia será realizada uma oficina de testagem de substâncias, com James Kava do Reaja. As inscrições permanecem  abertas até o dia do evento.

Sem “bad trips”

Para a psicóloga Bheatrix Bienemann, 30, doutora em psicologia e palestrante sobre redução de danos, o congresso representa um espaço de posicionamento político. “Estamos vivenciando um renascer psicodélico em vários campos. É superimportante que nós, como cientistas, acompanhemos a efervescência que está acontecendo ao redor dessas substâncias. É um congresso respaldado em conhecimento científico, não deixando de fora a questão cultural e ancestral em torno desse tema”, destaca a psicóloga Bheatrix Bienemann.

Bheatrix, que atualmente pesquisa os efeitos dos psicodélicos na autoconsciência, comenta que existem diversos estudos e pesquisas que apontam uma série de medidas que devem ser tomadas para minimizar os efeitos indesejados dessas substâncias, que otimizam e trazem segurança à experiência. “Apesar de serem substâncias seguras e com desfechos clínicos positivos, são substâncias químicas que requerem cuidado no uso”, explica a psicóloga.

O papel do redutor de danos é fundamental para evitar possíveis desfechos indesejados que podem acontecer com o uso dessas substâncias e da promoção desse cuidado, de acordo com Bheatrix. “É uma prática de cuidado e de construção de uma relação com essas substâncias, sobretudo uma relação de respeito e de aprendizado”, finaliza.

“Não há dúvidas quanto ao avanço do debate sobre a efetividade dos psicodélicos e a eficácia deles no tratamento de diversos transtornos mentais, mas é preciso pensar nas regulações terapêuticas entre os mais diversos usos, de uma maneira cuidadosa”, completa Beserra.

O congresso teve financiamento da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e apoio da Reaja, primeira empresa brasileira que produz e comercializa reagentes colorimétricos para análise de substâncias.

Para mais informações sobre o I Congresso Brasileiro sobre Psicodélicos: clínica, ciência e política, acesse o site https://cbspsicodelicos.wixsite.com/my-site ou o Instagram da APB https://www.instagram.com/associacaopsicodelica/.

I Congresso Brasileiro sobre Psicodélicos: clínica, ciência e política

Data: 03 e 04 de novembro

Inscrições: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdo5_iczj6ArqrLFFllIvU4btVbzsXQTabMv70tdpB53XTOSQ/viewform

Local: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.

Entrada gratuita.

Thaís Ferrari

Jornalista e escritora, escreve sobre ayahuasca, mulheres e espiritualidade. Foi repórter de jornais impressos do interior de São Paulo e responsável pela redação da revista “Capacitando Vidas”, edição especial que registra os 30 anos de história do prédio que abriga a Associação dos Clubes de Mães de Valinhos. Escreveu o livro “Da Floresta: Vivências da ayahuasca na cidade” (no prelo). É colaboradora e integrante do conselho editorial da revista Psicodelicamente.

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