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Cogumelos psicodélicos podem tratar transtornos severos, apontam estudos

Evidências científicas mostram que a psilocibina pode ser uma aliada no tratamento de pessoas que já desistiram de encontrar respostas para doenças como a depressão persistente. No Brasil, a Universidade Federal de Campina Grande se tornou a primeira instituição do país a conseguir uma autorização da Anvisa para estudar a substância com o objetivo de desenvolver um medicamento, em parceria com a empresa Biocase Brasil. Entre as vantagens dos cogumelos, estão o custo, a ação imediata e os efeitos de longo prazo.

Nathan Fernandes, para a Psicodelicamente

Foto: pasja1000 - Pixabay

O canadense Thomas Hartle entrou em pânico quando recebeu um diagnóstico de câncer terminal, em 2019. Aos 52 anos, além da doença grave, ele foi consumido pelo terror de imaginar o que aconteceria com suas filhas depois que partisse. Em uma entrevista ao jornal Vancouver Sun, afirmou: “Essa preocupação tirou minha capacidade de ser funcional e de viver”. 

Buscando respostas que pudessem aliviar seu sofrimento, ele descobriu as pesquisas com psilocibina (o componente psicodélico dos cogumelos) para tratar ansiedade e depressão em pacientes com câncer, feitas na universidade norte-americana Johns Hopkins — um dos principais pólos de pesquisas com psicodélicos no mundo. Com a ajuda de uma empresa canadense especializada em terapias do tipo, ele conseguiu ganhar na justiça de seu país o direito de usar cogumelos para aliviar o desespero da perspectiva da morte. Hartle se tornou o primeiro cidadão a obter acesso legal à terapia assistida com psilocibina no Canadá. 

“Os cogumelos mágicos ajudaram a acalmar as preocupações na minha cabeça, permitindo que meu corpo usasse minha energia para a cura e processasse esses medos em um ambiente de apoio. Os efeitos positivos duram seis meses”, relatou ele. Desde janeiro de 2022, os canadenses que querem fazer o mesmo que Hartle têm o caminho facilitado, já que o governo passou a permitir que médicos solicitem a substância para uso clínico em pacientes terminais. 

As pesquisas para tratar transtornos causados por doenças graves, como o câncer, com psilocibina são promissoras no campo psicodélico, e cada vez mais países obtêm licenças para os estudos. No Brasil, apesar da psilocibina ser proibida, os cogumelos não são, o que coloca o psicodélico em um limbo jurídico. 

No começo de 2022, o Laboratório de Avaliação e Desenvolvimento de Biomateriais do Nordeste (Certbio), da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), se tornou a primeira instituição do país a receber aprovação da Anvisa para pesquisar a substância com o objetivo de desenvolver um medicamento. 

O estudo é fruto de uma parceria com a empresa Biocase Brasil. A ideia do projeto é estudar a criação de medicamentos que possam ser usados no tratamento de doenças graves através de psicoterapia assistida.

Para o médico Cesar Camara, CEO da Biocase Brasil, as vantagens do uso de cogumelos são muitas. “Primeiro, comparado a um tratamento convencional, o custo é muito mais baixo. Já a segunda vantagem é que, diferente dos medicamentos atuais, os psicodélicos possuem ação imediata. Estudos estão sendo feitos, mas, a princípio, um paciente com ideação suicida ou depressão grave consegue ir para um estado de depressão moderada ou leve no dia seguinte”, explica. “Além disso, é preciso apenas uma única dose em seis meses ou um ano para obtermos efeitos de longo prazo.”

O neurocientista argentino Enzo Tagliazucchi é um dos especialistas que também buscam por respostas neste campo. “Pacientes com câncer que desenvolvem ansiedade, depressão, ou ambos, têm poucas opções de tratamento eficazes. Os psicodélicos estão surgindo como uma possível maneira de melhorar seu humor sem causar efeitos colaterais que prejudiquem sua qualidade de vida”, aponta. 

Em junho de 2022, o comitê de ética do Hospital da Borda, em Buenos Aires, aprovou um protocolo pioneiro de uso de psilocibina para pacientes com câncer. A equipe de Tagliazucchi espera agora a aprovação regulatória, uma etapa confusa, segundo ele, porque o procedimento nunca foi realizado na Argentina. Apesar disso, a expectativa é alta. “Embora os psicodélicos não tenham como objetivo tratar o diagnóstico oncológico em si, é possível levantar a hipótese de que a melhora do humor pode influenciar positivamente na evolução da doença, algo que precisa ser avaliado por meio de experimentos.”

Os pesquisadores brasileiros Lucas Maia, Yvan Beaussant e Ana Cláudia Mesquita Garcia estavam cientes dessa hipótese. Durante dois anos, eles buscaram na literatura científica mundial todos os estudos sobre o uso de terapias assistidas com psicodélicos para o tratamento de pessoas com doenças graves ou terminais, a fim de avaliar seus resultados. 

Entre quase seis mil artigos encontrados, apenas vinte se encaixavam no perfil da pesquisa. Destes, nove utilizaram LSD; cinco, psilocibina; dois, dipropiltriptamina (DPT); dois estudos independentes utilizaram cetamina ou MDMA; e outros dois, que usaram cannabis, foram considerados para outra pesquisa. A maior parte dos trabalhos (75%) envolvia pacientes com câncer, e aproximadamente metade deles foi feita entre as décadas de 1960 e 1970 — antes da política de Guerra às Drogas, criada pelo presidente Richard Nixon, em 1971, que proibiu os psicodélicos nos EUA.

“Concluímos que as evidências avaliadas sugerem efeitos positivos, principalmente quanto aos sintomas de natureza psicológica e espiritual”, explica à Psicodelicamente a enfermeira paliativista Ana Cláudia Mesquita Garcia, professora na Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas e líder do Centro Interdisciplinar de Estudos em Cuidados Paliativos (CIECP). 

As conclusões do levantamento foram publicadas no “Journal of Pain and Symptom Management”, um dos periódicos mais conceituados da área de cuidados paliativos, que nunca havia publicado um trabalho sobre psicodélicos antes (no portal Ciência Psicodélica, os autores fizeram um resumo em português). 

“Os resultados que mais me surpreenderam foram os referentes ao potencial destas substâncias para o tratamento de sintomas de ordem espiritual. De acordo com nossos resultados, com relação à experiência espiritual ou existencial, os estudos relataram uma redução considerável no medo da morte dos pacientes após terapias assistidas por psicodélicos, com aumento da serenidade, paz e tranquilidade”, explica Garcia. “Além disso, há evidências de melhora nos indicadores relacionados ao sentido da vida e otimismo, diminuição da desmoralização relacionada ao câncer e desesperança, redução do sofrimento existencial e melhora do bem-estar espiritual e do comportamento em relação à morte.”

Nos Estados Unidos, onde as pesquisas estão mais avançadas, desde 2019, a psilocibina é classificada como “terapia inovadora” pela FDA (órgão equivalente à Anvisa no Brasil), o que ajuda a acelerar o processo de aprovação da substância. Apesar da proibição, desde o início dos anos 2000, os psicodélicos voltaram a despertar o interesse dos cientistas, em uma retomada que tem sido conhecida como renascimento psicodélico. 

Um dos estudos que marcaram esse renascimento foi um feito justamente com cogumelos e pacientes com câncer em 2006. De acordo com a pesquisa conduzida pelo psicofarmacologista Roland Griffiths, na Johns Hopkins, a maioria dos participantes apresentou mudanças positivas de humor, depois de experiências com psilocibina. Para 33%, a experiência foi classificada como a mais espiritualmente significativa de sua vida, comparável ao nascimento de um filho ou a morte de um dos pais. Desde então, além da Johns Hopkins, pesquisas conduzidas na Universidade de Nova York também buscam sofisticar esses dados.  

Como afirma a professora Ana Cláudia Mesquita Garcia, a morte não é algo dissociado da vida, mas, sim, parte importante dela. E, em alguns casos, provocar alterações na consciência pode ser um caminho a ser considerado para chegar nessa concepção sem sofrimento. 

“Talvez a experiência psicodélica nos ajude a enxergar nossa própria história de vida a partir de um prisma diferente, talvez nos ajude a nos reconciliar com nossa própria história e a descobrir o sentido das nossas vidas (que muitas vezes nos passa despercebido, considerando a superficialidade na qual vivemos imersos a maior parte do tempo)”, acredita Garcia. “Especialmente no fim da vida, alcançar essas coisas tem um valor inestimável.”

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