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‘Cannabis tem potencial significativo nos cuidados paliativos’, diz médica

Em entrevista à Psicodelicamente, Lauren Provin, médica clínica e paliativista, fala sobre a experiência com o uso medicinal dos derivados de cannabis para controle de sintomas difíceis. Ela também destaca a necessidade de manter os pés no chão em relação à substância. “Não cura tudo”. A decisão de prescrever, em seu caso, teve a ver com uma demanda que começou a aparecer em seu consultório. “É uma responsabilidade do médico entender sobre isso, a maioria dos pacientes que chegam já usando, mesmo sem prescrição, é porque tinham sofrimento não acolhido”.

Carlos Minuano, para a Psicodelicamente

Foto: Canva

A médica clínica e paliativista, Lauren Provin, conta que seu interesse pelo uso medicinal dos derivados de cannabis não é de hoje. Ela vem estudando há bastante tempo e há três anos decidiu começar a prescrever.

Segundo ela, foi um processo natural, que partiu de uma demanda espontânea dos seus pacientes, com curiosidade sobre a terapia, que já usavam na forma fumada ou em óleos importados do exterior.

Lauren acredita que a procura pelo tratamento tem relação com o lugar onde mora: Florianópolis. “Vivem muitos estrangeiros aqui, famílias que ficam indo e vindo de outros países com amplo uso de cannabis”.

Primeiro, a médica foi estudar o assunto. “Há uma grande quantidade de artigos sobre cannabis medicinal na literatura estrangeira”, conta. “Ficava intrigada com o que diziam e com o nosso desconhecimento e desinteresse aqui no Brasil”.

Ela afirma que a decisão de começar a prescrever teve a ver com o movimento nacional e internacional em torno do uso medicinal da planta. Mas, revela que outro fator importante foi o interesse, que também explodiu no Brasil. A informação começou a chegar no grande público e principalmente nos pacientes, avalia a médica.

“É uma responsabilidade do médico entender sobre isso”. Ela lamenta que ainda existam profissionais com restrições sobre o tema. “Eu penso diferente, a maioria dos pacientes que chegam já usando, mesmo sem prescrição, é porque tinham sofrimento não acolhido, não ouvido, um sintoma que ninguém estava dando atenção”

 

Controle de sintomas difíceis

Médica há 11 anos e paliativista há sete, Lauren vem acumulando experiência com a terapia canábica e afirma que há um potencial significativo nos cuidados paliativos, para o controle de sintomas difíceis.

“Quando estamos lidando com pacientes com doenças graves, ameaçadoras da vida, com sintomas severos que causam sofrimento, ou mesmo quando estamos cuidando deles no processo de finitude, a cannabis ajuda muito.”

“Não sei dizer quantas pessoas já atendi com cannabis medicinal, depois de 100, parei de contar”, diz. Mas, Lauren descreve sua experiência médica com o novo tratamento como algo realista. “Não acho que cura tudo, que é panaceia, que faz milagres, como vemos algumas pessoas falando.”

A terapia com a cannabis medicinal se trata de mais um componente do arsenal terapêutico disponível para pacientes. “Faz parte da minha prática, mas não trabalho apenas com isso”. Lauren se descreve como uma médica clássica, que acompanha as pessoas. “Faço acompanhamento longitudinal das pessoas.”

 

Lauren Provin – arquivo pessoal

“Sim, é benéfico, mas é preciso pé no chão”

“A cannabis tem um efeito potente, são mais de 140 canabinóides numa planta, entre outras substâncias com potencial benéfico, mas temos que conhecer os efeitos colaterais, e não cair no engano de tirar outros medicamentos”, recomenda a médica. Sua dica é manter o pé no chão.

Lauren reforça que o tratamento com cannabis é individual, pois cada corpo reage de uma forma. “Todos nós temos um sistema endógeno, o nosso sistema endocanabinoide, então toda a cannabis externa administrada, em cápsula ou em óleo, vai se conectar com o paciente de acordo com características de seu organismo”. Ou seja, o tipo de canabinoide e a dosagem podem variar para cada pessoa, explica a médica.

Em relação aos benefícios, com base em sua experiência clínica, ela conta já ter obtido bons resultados em pacientes com efeitos colaterais das terapias para tratamento de câncer, como náusea e vômito após quimioterapia, e em casos de dor neuropática de difícil controle (uma sensação de choque e formigamento, principalmente nas mãos e pés). “Se observa também uma melhora da qualidade do sono e de crises de ansiedade.”

 

“Não é para tudo e nem para todos”

Lauren reconhece que o momento no país é desafiador. “Pesquisadores e médicos precisam demonstrar que existe sim um lugar terapêutico de utilização dessas substâncias”. E ela defende que tudo está relacionado à responsabilidade do uso. “Não é para tudo e nem para todos.”

A médica observa que é necessário cuidado com dose, formulação, saber ao certo que efeitos são esperados e para qual problema. Lembra ainda que é preciso realizar uma boa anamnese para saber se essas substâncias fazem sentido ou não. E as orientações não param por aí. “Aos médicos, não basta só prescrever, tem que acompanhar o paciente.”

Sobre o debate em torno das evidências, ou da falta delas, e sobre indicações de uso, Lauren ressalta o apoio importante que profissionais do direito estão dando aos prescritores, ao defenderem a responsabilidade médica e o resguardo à independência do julgamento dos médicos sobre o uso ou não em determinados casos.

E, apesar de um cenário ainda de contornos incertos no país, Lauren acredita que representa um avanço haver um debate em andamento, envolvendo a comunidade médica e a sociedade civil. “O fato de não ser mais um assunto proibido, obscuro e difamado já indica que estamos indo para algum outro lugar.”

Um ponto positivo que ela também destaca é a presença de profissionais sérios estudando a cannabis e o ativismo de pacientes e seus familiares. “Minha expectativa é que a cannabis seja cada vez mais acessível para quem precisa dela.”

 

Retaguarda técnica

Lauren tem esperança no avanço da ciência canábica no Brasil e no mundo, apesar dos tropeços em questões como a legalidade e a desinformação. “As pessoas ainda têm medo, fazem confusão entre o uso medicinal e o recreativo”. Mas, para ela, o avanço é um caminho sem volta. “Há clínicas pelo mundo que há mais de 20 anos usam cannabis medicinal, aqui é que estamos atrasados.”

Lauren prevê também no Brasil um crescimento do uso clínico e de estudos que ajudem a entender o funcionamento da cannabis e a regulamentar seu uso. “Quem planta, quem produz, quem pode ou não pode, isso depende de pesquisas sérias”, opina.

Porém, a médica reclama da confusão que ainda se faz sobre o assunto e defende que é preciso uma discussão madura sobre o que é medicinal ou não. “Esse é o principal entrave no Brasil”. Neste caso, ela aponta para os ‘confundidores’ que espalham desinformação e atrapalham  avanços.

“Estive em um evento sobre o uso medicinal de cannabis que também teve a participação de ativistas do uso recreacional, esses assuntos todos possuem uma relevância social, mas misturar tudo no mesmo espaço pode gerar mais confusão do que entendimento”, adverte a médica.

Para Lauren, é preciso levar em conta que o país ainda tem que vencer  questões antigas e difíceis, como o preconceito contra a cannabis. Ela argumenta que há um volume expressivo de opinião circulando, sem base científica ou técnica, com respaldo apenas em posições políticas e ideológicas.

“Quando vamos falar sobre esse assunto, precisamos trazer menos inflamação, menos gasolina para a fogueira, e buscar enfatizar o respaldo científico, questões bioéticas”.

Ela ressalta que há um corpo robusto de profissionais falando de cannabis medicinal, com cautela e observação científica. E o principal: com respaldo clínico. “Há vários médicos no país com boa base prescritiva de acompanhamento de pacientes”, finaliza Lauren.

Carlos Minuano

Jornalista e escritor, há mais de duas décadas escreve sobre psicodélicos nos principais veículos jornalísticos do país, como nas revistas CartaCapital, Rolling Stone, jornal Metro. É colaborador do portal UOL desde 2012. Além de dirigir a Psicodelicamente, atualmente trabalha na pesquisa para um livro sobre psicodélicos, que será publicado pela editora Elefante. É autor de duas biografias, “Tons de Clô” (do estilista Clodovil Hernandes) em adaptação para uma série de streaming, e “Raul por trás das canções” (do músico Raul Seixas), ambas publicadas pelo grupo editorial Record.

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