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A viagem psicodélica de Rita Lee com ayahuasca

Rainha do rock, que morreu aos 75 anos nesta segunda, 8, deixou muitas histórias; uma delas com o chá amazônico

Foto: Reprodução

Nos primeiros dias de dezembro de 2011, há quase 12 anos, embarquei num ônibus todo grafitado, com um bando de ativistas malucos de um grupo muito bacana chamado Transparência Hacker. Foram cerca de nove horas até a Cidade Maravilhosa.

Foi lá, numa edição do Fórum de Cultura Digital que rolou no MAM (Museu de Arte Moderna), no Flamengo, conversando sobre ayahuasca com os tropicalistas Gilberto Gil e Jorge Mautner, que ouvi pela primeira vez o nome do jornalista Carlos Marques.

O intrépido repórter Carlos Marques já foi chamado de “Forrest Gump do jornalismo brasileiro”, pela coleção de histórias fantásticas que conta. Uma delas rolou no final da década de 1960, numa reportagem em Rio Branco para a revista Manchete. 

Ele se embrenhou na floresta para entrevistar Raimundo Irineu, ou o mestre Irineu, criador da doutrina que anos depois ficou conhecida como Santo Daime.

Marques passou três dias por lá, e além de beber ayahuasca ganhou das mãos do “mestre”, um garrafão com cinco litros do “chá amazônico das visões”. 

De volta ao Rio, e após a repercussão da matéria, o jornalista entregou parte da bebida ao amigo Gilberto Gil que logo reuniu a trupe para algumas experimentações com a bebida indígena. Rita Lee estava numa delas.

No Rio, Gil e Mautner me contaram sobre a sessão inusitada de ayahuasca, embalada por hits psicodélicos da banda Pink Floyd. Vários artistas participaram da experiência que rolou no “QG Bahia”, na avenida São Luís, no centro de São Paulo, no auge dos anos de chumbo durante a ditadura militar.

Depois de ouvir essa história numa conversa informal, encontrei outros pedaços dela espalhados por vários livros. Um deles é o autobiográfico “Lá sou amigo do rei” (Geração Editorial), do próprio Carlos Marques, com quem há pouco tempo tive o prazer de conversar e dar boas risadas. 

Caetano Veloso também relembra alguns desses momentos no seu “Verdade tropical” (Companhia das Letras). E outros detalhes hilários podem ser conferidos em “Rita Lee – Uma autobiografia” (Globo Livros) — sobre o qual cheguei a escrever em 2016, quando foi lançado.

No livro, a rainha do rock brasileiro, ícone dos Mutantes, conta o dia em que chegou ao apê dos tropicalistas no centro de São Paulo, após uma temporada em Londres. Na ocasião, alguém (ela não lembra quem) tinha trazido um garrafão de ayahuasca. Esse “alguém” é o jornalista Carlos Marques.

Segundo a cantora, a tal pessoa (que presume-se seja Carlos Marques), “descreveu as maravilhosas curas da alma que o santo remédio realizava, só não mencionou o vômito colateral nem considerou que tomar o tal chá numa baita city feito São Paulo seria ótima receita para uma bad trip.”

Rita não cita quem bebeu ayahuasca, mas de sua viagem ela entrega bons detalhes. “Depois de botar as tripas para fora, tive a brilhante ideia, talvez teleguiada pelos espíritos do povo das florestas, de sair às ruas de São Paulo. Andei apenas um quarteirão, o que deve ter durado umas quatro horas, e cheguei ao reino encantado da praça da República, para então me unir de corpo e alma ao caos urbano metamorfoseada de índia Jupira.” 

Sim, a eterna ovelha negra, Rita Lee, além do cancioneiro cheio de experimentações sonoras e referências psicodélicas, como na lendária “Ando Jururu”, que embalou muitas viagens, a cantora deixa também um bocado de histórias. Uma delas com a bebida amazônica ayahuasca.

Aventuras como essa certamente ajudaram a construir a fama de “porra-loca”. Mas, na verdade, revela outra camada de uma artista brilhante, com uma carreira regada por viagens de todos os tipos, e que agora deixa muita saudade. Em breve conto mais detalhes dessa trip xamânica tropicalista.

(CM)

Carlos Minuano

Jornalista e escritor, há mais de duas décadas escreve sobre psicodélicos nos principais veículos jornalísticos do país, como nas revistas CartaCapital, Rolling Stone, jornal Metro. É colaborador do portal UOL desde 2012. Além de dirigir a Psicodelicamente, atualmente trabalha na pesquisa para um livro sobre psicodélicos, que será publicado pela editora Elefante. É autor de duas biografias, “Tons de Clô” (do estilista Clodovil Hernandes) em adaptação para uma série de streaming, e “Raul por trás das canções” (do músico Raul Seixas), ambas publicadas pelo grupo editorial Record.

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