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A viagem psicodélica de Eriberto Leão

Ator fala sobre relação com os psicodélicos, tema que aparece na peça “O Astronauta", que estreia em São Paulo em 2023. No espetáculo, ele se lança em uma jornada sideral e psicodélica para dentro de si mesmo, com referências que vão de Aldous Huxley a Carlos Castaneda

Carlos Minuano, para a Psicodelicamente

Foto: Andrea Nestrea

Aos 50 anos e em plena forma, o ator Eriberto Leão quer explorar mundos desconhecidos. Ele começou a fazer isso com uma viagem espacial e psicodélica para dentro de si mesmo na peça “O Astronauta”. O espetáculo, que já esteve em cartaz no Rio de Janeiro e em Curitiba, deve aterrissar em São Paulo no início de 2023.

Pai de dois filhos com a atriz Andréa Leal, Leão é paulista, mas vive no Rio há duas décadas, mesmo período em que trabalhou na TV Globo. Ele conta que a relação com a emissora neste momento mudou de status. “Depois de 20 anos meu contrato passa a ser por obras agora, como está sendo com todo mundo.”

A carreira segue a todo vapor. Esse ano esteve na novela “Além da Ilusão” e na série “Ilha de Ferro” (TV Globo) e acaba de lançar dois filmes, “O Assalto na Paulista” (disponível na Globoplay) e “Maior que o Mundo” que teve a participação de Fernanda Young e roteiro do Reinaldo Moraes, autor de “Pornopopeia”). Mas é no teatro, com “O Astronauta”, que Leão está explorando novas dimensões, repletas de camadas psicodélicas e contraculturais.

Idealizada e dirigida por José Luiz Jr, com dramaturgia de Eduardo Nunes, a peça teve uma versão digital durante a pandemia. Inspirada em clássicos da ficção científica, “O Astronauta” chega agora aos palcos com uma nova roupagem.

A adaptação para a versão presencial, feita pelo diretor Luiz Jr e por Leão, vem enriquecida com delicadas e cuidadosas doses de DMT, psilocibina e LSD. Personagens ilustres da contracultura psicodélica também ganham lugar na peça, como Carlos Castaneda, Aldous Huxley e Terence McKenna. “É uma viagem espacial, uma viagem interior e uma viagem psicodélica”, diz Leão. Mas, segundo o ator, tudo mira na mesma direção: o amor.

Leão conversou com a reportagem da Psicodelicamente durante um fim de tarde, há cerca de um mês, em um pequeno café no Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro. Ele havia acabado de encerrar uma temporada bem sucedida da peça em solo carioca, e em poucos dias viajaria para uma rápida apresentação em Curitiba (1.200 pessoas lotaram os dois dias por lá).

Entre olhares curiosos e pedidos de selfies, o ator, simples e à vontade, com boné, bermuda e chinelo de dedo, falou por mais de uma hora – e atendeu a todos os pedidos dos fãs. Na entrevista, ele contou com entusiasmo sobre seu fascínio pelos psicodélicos, um tema sobre o qual revelou estar falando pela primeira vez à imprensa.

Substâncias como LSD e cogumelos mágicos foram perseguidas e proibidas desde a década de 1970, quando se tornaram motores da contracultura, movimento ao qual Leão se diz conectado desde a infância. “Sou um ator contracultural.”

Há pouco mais de uma década, com a retomada das pesquisas científicas com psicodélicos, essas substâncias retornaram ao debate público, agora não mais como alucinógenos perigosos, e sim como esperança de tratamento, e até de cura, para diversas doenças, em especial, transtornos mentais severos. “A natureza não colocou essas plantas no planeta por acaso”. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

 

A peça “O Astronauta” conta com participações pré-filmadas de ZéCarlos Machado, Luana Martau e Jaime Leibovitch. Foto: Divulgação.

 

Psicodelicamente – Na novela “Além da Ilusão” [TV Globo], seu personagem Leônidas passa por essa questão da saúde mental, pode falar um pouco sobre esse trabalho?

Eriberto Leão – “Além da Ilusão” foi uma novela das seis muito bem sucedida, o Leônidas era uma espécie de Nise da Silveira [psiquiatra que implementou um atendimento mais humanizado em hospital psiquiátrico do Rio de Janeiro na década de 1940], tanto que ela aparece no final da novela [interpretada por Gloria Pires, que deu vida a personagem no longa “Nise – O Coração da Loucura”]. Eu fui esse terapeuta durante esses meses todos. Foi um personagem que caiu no gosto do público, porque ele acreditava na cura através do amor.

 

P – Esse papel influenciou de alguma forma a nova versão da peça “O Astronauta”, acredita que o Leônidas poderia enveredar pelo uso terapêutico dos psicodélicos se a trama fosse ambientada nos dias atuais?

E L – Sim, acredito que sim. Na versão online da peça não tinha nenhum tipo de ponte com os psicoativos, literalmente não. Era para a gente ter estreado antes da pandemia, mas [por causa da Covid-19] tivemos que apresentar na internet, e essa nova montagem presencial só conseguimos fazer agora, depois da novela. Acredito que se o Leônidas fosse um psiquiatra nos dias de hoje, ele estaria estudando os psicoativos, ele estaria a par de todos esses tratamentos e penso que a doutora Nise da Silveira também estaria.

 

P – Você se interessa por psicodélicos há bastante tempo?

E L – Eu sou muito interessado por esses assuntos, desde os 16 anos quando li “Ensinamentos de Don Juan” de Carlos Castaneda [livro que narra a história de um antropólogo que envereda pelo xamanismo mexicano e utiliza plantas psicodélicas], que foi erroneamente traduzido [no Brasil] para “Erva do Diabo” [editora Record]. Os psicodélicos foram bloqueados pelo [presidente americano] Nixon, no pós movimento hippie, houve equívocos naquela época que foram muito bem aproveitados para interromper todos os estudos que agora estão sendo retomados e que nos permite novamente estar podendo falar sobre esse assunto. Eu sou um ator contracultural e sempre quis ser instrumento disso.

 

P – Um dos sinais emitidos na peça é sobre transformação?

E L – A gente parte do princípio hermético, a lei número um da alquimia, ‘o universo é mental’. A alquimia é a mãe de todas as nossas ciências ocidentais, matemática, química, física, biologia, era onde se faziam todos os experimentos, inclusive da espiritualidade também. Uma espiritualidade menos institucionalizada, mais individual e pessoal, que é a grande obra, o ouro que se busca na alquimia, o ouro interno, como o Raul [Seixas] já dizia, tem o ouro de tolo, que é o externo e o interno seria essa grande obra para a gente transmutar. E essa transmutação sempre me interessou.

 

Em “O Astronauta”, Eriberto Leão vive um homem isolado em lugar e tempo indeterminados em uma missão intergaláctica. Foto: Divulgação.

 

P – A fusão entre ficção científica e psicodélica parece ocorrer de uma forma bem natural, como foi estabelecer essa ponte?

Acho que qualquer filme de ficção científica trata de expansão de consciência e mergulho interno. Por exemplo, a primeira lei da alquimia, se o universo é mental, e você faz uma viagem pelo universo, sai da Terra, seguindo esse princípio hermético, você está fazendo uma viagem dentro de si mesmo, tanto que todo filme de ficção científica é um mergulho dentro da psique humana. Por isso que nos interessamos tanto por filmes de ficção científica, em “Duna”, por exemplo, há uma substância psicoativa na trama, e isso é deixado bem claro no livro e no filme. Falar na peça sobre os livros que o astronauta leu foi uma maneira de deixar mais clara a possibilidade dessa viagem espacial que o público está acompanhando ser uma viagem psicodélica.

 

P – Mas, ao mesmo tempo, as referências psicodélicas são delicadas, sutis, não?

E L – Em nenhum momento a ideia foi fazer uma peça claramente psicodélica, quem tem conhecimento vai se ligar, e quem não tem vai se apaixonar pela peça por outros motivos. Mas em algum lugar fica essa informação. E sempre vai ser uma viagem para dentro de si mesmo.

 

P – Me fala um pouco sobre sua relação pessoal com os psicodélicos?

E L – Eu me coloco sempre como instrumento da força. É o que eu aprendi com todos os livros que eu pude ler, tenho um embasamento literário muito forte, muito intenso e nas minhas pouquíssimas experiências de campo. Mesmo poucas, considerei que, para mim, tinha visto o que precisava ver. Sou um cara muito cuidadoso, respeitoso. Eu acho que eu descobri logo de início que a força que criou e mantém o equilíbrio do universo é o amor, é a mesma força que a gente acessa de uma forma muito direta quando entra nesse universo expandido da nossa mente. É o amor que deve guiar, cuidar do psiconauta, é o amor que ele mais vai precisar durante a jornada psicodélica, que só deve ser feita com muita responsabilidade, muito cuidado e acompanhamento profissional

 

P – Dá para alcançar a expansão da mente por outras vias? Que outros caminhos você propõe?

E L – Meditação, leitura e espiritualidade. Se você lê o livro de alguém que teve essa jornada e alguém que tem o dom da escrita, você pode ter essa experiência sem tomar nada. Isso para mim é muito interessante, você pode assistir uma peça, ver um filme, pode escutar uma música, esse é o poder da arte, porque literatura é arte, uma tela pode te levar a isso.

 

P – E sobre o caminho dos psiconautas, qual a sua opinião?

E L – Eu acho que tem espaço para muitos desbravadores, o mais importante é ter esse respeito, esse cuidado de levar com seriedade, e com delicadeza porque é muito difícil para grande parte da população compreender esse assunto como ele deve ser compreendido, com seriedade, e com o fato de que, eu acredito nisso, a natureza não colocou essas plantas no planeta por acaso. E se existem substâncias in natura que, segundo [o etnobotânico] Terence McKenna, foram responsáveis pelo salto evolutivo do hominídeo para o Homo sapiens, claro que elas precisam ser estudadas.

 

P – Na sua opinião, contracultura e psicodélicos estão conectados?

E L –  Essa ideia de que o amor é a força que criou e mantém o equilíbrio do universo não é só a minha percepção, mas de muitas pessoas, os Beatles não escreveram por acaso “All You Need is Love”. E Beatles não vem de besouro, vem de beat porque eles eram fãs do movimento beatnik. Jack Kerouac afirma em uma entrevista que o nome “beatnik” vem da busca pela beatitude, ou seja, a busca de Deus. A contracultura surge como uma aliança, um namoro, um flerte entre a literatura, a poesia, a música, pinturas, a arte em geral, e as plantas de poder. O livro de William Burroughs e Allen Ginsberg “Cartas do Yagé” é sobre isso. Logo após o advento dessa contracultura com “On the Road”, vem o sucesso do rock’n roll e o início do psicodelismo, com The Beatles, The Who, Led Zeppelin e The Doors, que pra mim é a maior de todas, cujo nome se inspira em um poema do William Blake que é o maior de todos da contracultura, foi ele quem disse que quando as portas da percepção forem abertas veremos tudo como realmente é.

 

P – No seu caso, a contracultura foi uma ponte para os psicodélicos?

E L – Como fã do Doors, quando eu descubro a contracultura através deles e passo a ler o que o Jim Morrison lia, a sua ligação com os índios norte-americanos, o xamanismo, sendo brasileiro e conectado com nossos povos nativos, me identifico e passo a ser um estudioso.

 

P – Você pode falar sobre sua experiência com os psicodélicos?

E L – Eu tive só duas experiências com duas plantas, ayahuasca e psilocibina [cogumelos mágicos], que foram realizadas faz tempo. Presto muita atenção na sincronicidade e quando as coincidências estavam apontando para essa direção em um número muito expressivo fiz essas duas experiências. Mas, foram extremamente preparadas, estudadas, desejadas, amadas e guardo elas para mim como uma coisa sagrada.

 

P – E foram boas essas experiências?

E L – Foram intensas. Acho que a experiência psicodélica é um espelho da própria vida. Você passa por muitas coisas. Por isso que se fala nas religiões da floresta que é um trabalho, não é uma recreação. É um assunto muito sério, tenho muito respeito, é a primeira vez que estou falando sobre isso. Talvez um dia a gente possa falar mais.

 

P –  Você é um estudioso de Jung também, mas parece que ele não gostava muito de psicodélicos…

E L – Jung dizia reconhecer alguns perigos que o uso de psicoativos poderia oferecer e os necessários cuidados a se tomar. Para ele, o uso apenas traria mais responsabilidade e dever para a consciência compensar esses materiais, e que esse trabalho já é grande o bastante com nosso contato ordinário. Eu acho isso muito importante. Jung é anterior ao advento dos psicodélicos, mas eu acho bom isso, como o William Blake disse, “oposição é amizade verdadeira”. Acho que por estudar Jung sou tão contido a ponto de ter vivido apenas duas experiências psicodélicas. Eu acho que é possível através de outras formas você chegar a esses estados, a DMT, dimetiltriptamina, é produzida naturalmente pelo cérebro quando nascemos, quando somos pequenos, quando entramos no estado meditativo muito profundo. Tem uma conversa do Timothy Leary com um mestre tibetano de meditação após uma experiência com LSD em que o mestre fala “demorei 30 anos para chegar a esse estado de consciência, vocês têm uma substância que faz chegar em meia hora. Vocês estão preparados para isso? Pode ser perigoso”. Essa frase nunca saiu da minha cabeça.

 

A viagem da peça “O Astronauta” é uma jornada interior sobre a existência humana. Foto: Divulgação.

 

P – Você acredita que os psicodélicos conseguirão vencer o preconceito de que ainda são alvos?

É possível uma expansão da mente com responsabilidade, com estudo, usando os psicoativos. O mais importante para mim é que esse movimento me parece irreversível, está aumentando cada vez mais, tanto na psiquiatria quanto em outras áreas.

 

P – O que a atual geração precisa fazer para não se perder como ocorreu nas décadas de 1960 e 1970?  

E L – Há uma necessidade  de entender essas substâncias, de onde elas vêm, como os antigos lidavam com elas, o que eles estudaram, qual o legado que eles deixaram. Porque a gente não tem que começar do zero. A gente tem que misturar as nossas descobertas, através da nossa visão atual e de nossa tecnologia, com as descobertas dos antigos. A gente tem que subir nos ombros dos gigantes que foram eles, porque todas as civilizações antigas lidavam com essa expansão de consciência. Dos sumérios aos egípcios, dos nossos irmãos incas, astecas e maias aos nossos povos nativos, os celtas, Arthur e a Távola Redonda. O que todos eles têm em comum é a reverência com a Terra, nossa grande mãe, com o ar que a gente respira, a conexão com a natureza, com as estações do ano, com o que você planta e com o que você colhe, a vida dependia disso.

 

P- Perdemos a conexão com a natureza…

E L – Agora os agricultores conseguem influenciar com adubos químicos, e a gente perdeu a ligação com a terra. As plantas de poder nos colocam em uma conexão absurda com a terra novamente e para quem está muito desconectado é um choque, e para quem está conectado é só uma confirmação do que já se sabe. É o amor, é a terra, é a reverência, é o respeito, é a disciplina, é a força. Também se fala dessa força no Santo Daime e na UDV (União do Vegetal) [grupos religiosos que usam ayahuasca em suas cerimônias].

 

P – Qual a mensagem que você espera passar com a peça “O Astronauta”?

E L – Que o amor é a força que criou e mantém o equilíbrio do universo e que a não compreensão dessa lei básica, que todos os mestres falaram desde o início, fez a gente se distanciar da nossa verdadeira essência, da natureza e do universo, nos tornamos uma sociedade egocêntrica. A natureza tem instrumentos para dissolver esse excesso do ego e nos colocar novamente em conexão com a nossa verdadeira essência. Eu acho que é esse o papel da verdadeira espiritualidade, da arte verdadeira, e o papel do conhecimento das plantas de poder.

 

P- No seu caso, qual a missão agora?

E L – Agora é “O Astronauta”. Talvez eu seja meio um Ram Dass [codinome do Ralph Metzner, parceiro de Timothy Leary, que conduziu estudos pioneiros com psicodélicos em Harvard e que após uma viagem à Índia se tornou guru]. Ram Dass vai para o Oriente e traz todo o conhecimento do zen budismo, taoísmo como outra ferramenta psicodélica, mas sem a necessidade de ingerir qualquer substância.

Carlos Minuano

Jornalista e escritor, há mais de duas décadas escreve sobre psicodélicos nos principais veículos jornalísticos do país, como nas revistas CartaCapital, Rolling Stone, jornal Metro. É colaborador do portal UOL desde 2012. Além de dirigir a Psicodelicamente, atualmente trabalha na pesquisa para um livro sobre psicodélicos, que será publicado pela editora Elefante. É autor de duas biografias, “Tons de Clô” (do estilista Clodovil Hernandes) em adaptação para uma série de streaming, e “Raul por trás das canções” (do músico Raul Seixas), ambas publicadas pelo grupo editorial Record.

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