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Advogado denuncia perseguição ideológica em grupo ayahuasqueiro

Integrante da direção da UDV, afastado após postar foto lendo Osho, afirma que membros politicamente alinhados à esquerda estão sendo punidos

Por Aemulus Máximus e Carlos Minuano, para a Psicodelicamente

Foto: Reprodução

A denúncia feita pelo advogado criminalista Sanderson Moura sobre sua punição e afastamento da direção da UDV (União do Vegetal) tem gerado ampla repercussão na sociedade acreana. Segundo Moura, a decisão da instituição foi motivada por uma foto publicada por ele nas redes sociais, na qual aparece lendo um livro de Osho, pseudônimo do controverso guru Bhagwan Shree Rajneesh. Após o episódio, ele e sua esposa, Neydeanne, decidiram se afastar voluntariamente do grupo. Moura acusa a cúpula bolsonarista da UDV de promover uma “fogueira inquisitorial” contra opositores ideológicos.

A história da humanidade registra inúmeros episódios de queima de livros por razões políticas e ideológicas. No caso da UDV, enquanto instituição religiosa, a situação remete ao período da Inquisição, quando grandes fogueiras organizadas pela Igreja destruíram livros — e, vale lembrar, também pessoas. No entanto, dado o alinhamento crescente da liderança do grupo à extrema direita bolsonarista, a situação evoca igualmente as queimadas de livros promovidas pelo regime nazista na Alemanha.

Mas, apesar da orientação política do advogado afastado da direção da UDV, cabe esclarecer que Osho é uma figura difícil de enquadrar em categorias políticas convencionais como “esquerda” ou “direita”. Sua filosofia combinava elementos do anarquismo, individualismo extremo, misticismo oriental e uma visão materialista da espiritualidade, resultando em uma posição política ambígua.

‘Período trevoso’

O caso tem ganhado repercussão no Acre — e não por acaso. Sanderson Silva de Moura é advogado criminalista, ativista político, orador, escritor, palestrante, professor de retórica, historiador e filósofo. Mestre em educação pela Universidade Federal do Acre (Ufac) e doutorando em letras, ele é uma figura pública respeitada na sociedade local, sendo admirado até por adversários políticos. Nas eleições municipais de 2024, Moura foi candidato a vice-prefeito pelo PSB.

O episódio também chama a atenção por sua peculiaridade: um filósofo punido por ler livros de filosofia. Em suas redes sociais, Moura afirmou que sua punição foi resultado de uma perseguição contra membros da UDV alinhados à esquerda, que, segundo ele, vêm sendo alvo de represálias desde 2018, quando parte da direção nacional da instituição aderiu abertamente à extrema direita liderada por Jair Bolsonaro.

Desde então, a direção nacional incorporou integralmente a agenda de costumes do bolsonarismo. Moura se refere a esse período dentro da instituição como “trevoso e obscurantista”, acusando a liderança da UDV de promover perseguição ideológica e de estar sob influência de setores que ele descreve como “trumpistas, bolsonaristas, fascistas, racistas, misóginos e homofóbicos”.

A postagem do filho de Sanderson Moura no Instagram foi ainda mais contundente que a do pai. Danton Moura acusou os atuais dirigentes nacionais da UDV de terem se corrompido. “Ególatras e ignorantes, alinhados ao obscurantismo (…) perseguem e difamam aqueles que leem, estudam ou demonstram capacidade cognitiva suficiente para compreender o mundo e evitar repetir os seus erros”, escreveu. Ele também afirmou que esses mesmos dirigentes incentivaram e se envolveram na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023.

A repercussão na sociedade acreana foi intensa diante de mais um episódio de intolerância dentro da UDV. Muitos ex-sócios manifestaram solidariedade. Já entre os membros que discordam dos rumos da instituição, prevalece a chamada “lei da mordaça”: sabem que até um simples “like” em uma publicação nas redes sociais pode resultar em punição.

Postagem nas redes sociais que causou o afastamento do advogado/Reprodução

Tribunal da UDV

Em 2023, o alinhamento da UDV com a extrema direita se intensificou com a ascensão de Jair Gabriel da Costa, bolsonarista assumido, ao cargo máximo da organização. Ele é o segundo filho do mestre Gabriel (1922-1971), fundador da instituição religiosa, e de sua esposa, a mestre Pequenina. Na instituição, dirigentes são chamados de mestres.

Uma fissura se abriu dentro da organização, e estima-se que mais de 2 mil sócios tenham se afastado, incluindo 400 membros dos quadros de direção. Há a percepção de que, agora em 2025, a ala bolsonarista da UDV esteja ainda mais fortalecida com a posse de Donald Trump na presidência dos EUA.

Em sua postagem, Sanderson Moura cita os nomes dos responsáveis por seu afastamento, todos membros da direção nacional, conhecida como “representação da UDV”. São eles: Edson Lodi Campos Soares, Edson Saraiva, Felipe Belmonte, Jair Gabriel da Costa e Clóvis Cavalieri.

Quem é quem na ala bolsonarista da UDV

Edson Lodi Campos Soares, jornalista, é signatário de um documento interno da instituição de caráter homofóbico. Em 13 de dezembro de 2008, ele assinou, junto com outros três dirigentes — Raimundo Monteiro de Sousa, Luís Felipe Belmonte dos Santos e Clóvis Cavalieri Rodrigues do Carvalho —, um comunicado homofóbico emitido em nome da direção da União do Vegetal.

Trechos do documento:

“Nunca poderemos concordar com a prática da homossexualidade, uma vez que vai contra a origem natural da existência humana; isto é, o relacionamento entre homem e mulher que dá origem à geração. Nós discordamos do casamento de pessoas do mesmo sexo porque não queremos e não temos o direito de provocar a extinção da espécie humana, que pertence somente a Deus.”

No entanto, o documento também sugere a chamada “cura gay”, ao afirmar:

“Queremos deixar claro que não temos poder para subjugar pessoas que usam seu livre-arbítrio como desejam e, além disso, existem pessoas de quem gostamos, e até familiares, que fazem uso desta prática indesejável; nem por isso podemos dizer que esta prática é correta, pois vai contra a obra do Criador. No entanto, tais pessoas podem associar-se à União do Vegetal, enquanto trabalhamos para transformar comportamentos indesejáveis em busca da perfeição.”

Desde 2008, passaram-se 17 anos, e, em 2023, o Plenário do STF (Supremo Tribunal Federal ) reconheceu que atos ofensivos contra pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ podem ser enquadrados como injúria racial. Ainda assim, a UDV parece manter-se arraigada a paradigmas homofóbicos.

Edson Saraiva, médico e bolsonarista convicto, ganhou notoriedade durante a pandemia de Covid-19 por negar a gravidade da doença. Ele produziu vídeos nos quais manipulava dados de forma sofismática para justificar suas teses. Apresentando-se como “profissional da medicina”, Saraiva viaja pelo Brasil e por outros países onde a UDV está presente, atuando como uma suposta “autoridade sobre Hoasca”, nome dado à bebida amazônica no grupo religioso.

Luís Felipe Belmonte dos Santos, advogado e empresário, foi afastado do conselho da UDV em gestões anteriores devido a uma longa lista de infrações penais. No entanto, com a ascensão de Jair Gabriel da Costa ao comando da instituição, ele foi reabilitado e voltou a ocupar uma posição de influência na direção nacional. Seu elevado poder econômico pesa a seu favor.

Belmonte já respondeu por corrupção e lavagem de dinheiro e acumula um patrimônio milionário. Desde 2020, ele é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de financiar e participar de manifestações antidemocráticas que defendiam a instauração de uma ditadura no Brasil, com o fechamento do Congresso Nacional e do STF, além da “volta do AI-5”.

O Ato Institucional nº 5 (AI-5), editado em 13 de dezembro de 1968, deu respaldo à Ditadura Militar brasileira para prender opositores, cassar direitos políticos, torturar, matar, banir e exilar dissidentes.

Belmonte também está implicado em outro inquérito em andamento no STF, que investiga a produção e disseminação de fake news. As investigações são conexas e miram apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, além de membros da cúpula bolsonarista.

Ao se vitimizar, Belmonte chegou a se comparar a Jesus Cristo em entrevista à imprensa. O empresário garantiu que não financiou nenhum ato antidemocrático e usou Jesus como exemplo para argumentar que não pode controlar todos que participam das manifestações. “Jesus teve 12 apóstolos. Um o traiu, outro o negou. Nem Jesus controlou 12, imagina como eu vou controlar todo mundo que quer se manifestar?”

Belmonte também foi o número dois na fracassada tentativa de criação do partido de extrema direita Aliança pelo Brasil — o número um era o próprio Bolsonaro.

Jair Gabriel da Costa, atual dirigente máximo da UDV, foi apresentado em um evento na Aleac (Assembleia Legislativa do Acre), em 2024, como um caboclo “comedor de macaco”. Em resposta, ele completou orgulhosamente, repetidas vezes: “e matador de onça”.

Jair tinha 9 anos quando bebeu ayahuasca pela primeira vez e esteve presente nos primeiros momentos da criação da UDV, no início da década de 1960, nos seringais da Amazônia e, posteriormente, em Porto Velho.

Desde 1987, ele integra o conselho da recordação dos ensinos do mestre Gabriel e já ocupou diversos cargos de liderança na instituição, incluindo mestre representante, mestre central e mestre assistente geral. Em 6 de janeiro de 2023, assumiu o posto de mestre geral representante, a mais alta posição dentro da UDV.

Homem de hábitos simples, Jair Gabriel da Costa tornou-se uma espécie de “testa de ferro” da ala de extrema direita da instituição, além de aliados envolvidos em “transações tenebrosas”, como Raimundo Monteiro de Souza, Felipe Belmonte e outros dirigentes.

Em 2024, protagonizou um episódio amplamente divulgado, no qual fez um deboche homofóbico público contra o cantor Marcos Lessa, afastado da UDV após, em um podcast, relatar que uma instituição religiosa tentou induzi-lo a buscar “cura gay” para sua homossexualidade.

Clóvis Cavalieri Rodrigues de Carvalho, oficial da reserva da FAB (Força Aérea Brasileira), foi dirigente máximo da UDV entre 2015 e 2018. Coronel aposentado, ele esteve ativamente envolvido nos acampamentos golpistas montados em frente a quartéis, que pediam intervenção militar e a anulação das eleições.

Cavalieri se notabilizou, durante as sessões que dirigia na UDV, por discursos misóginos, nos quais pregava a subordinação das mulheres aos homens. Há uma máxima atribuída a mestres antigos da instituição que diz: “quem manda no galinheiro é o galo”, comparando as mulheres do grupo a galinhas submissas.

Sanderson Moura e a UDV foram procurados pela Psicodelicamente, mas não quiseram se manifestar.

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