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Saberes da floresta e desafios da ciência

Roda de conversa em festival indígena reflete sobre caminhos da medicina tradicional e limites da pesquisa científica

Carlos Minuano, de Arujá (SP) para a Psicodelicamente

Foto: Clara Nana/Psicodelicamente

Ao som de icaros e rezos da floresta, a manhã da sexta-feira (2) começou com um potente encontro de vozes no segundo dia do Fiup (Festival Indígena União dos Povos), em Arujá, interior de São Paulo. A roda de conversa “Avanços científicos e acessibilidade das plantas nativas” reuniu lideranças espirituais indígenas, pesquisadores, terapeutas e curadores em um diálogo sensível sobre os saberes da floresta e os desafios de sua inserção no mundo urbano e científico.

Entre os participantes estavam Francisquinha Shawãdawa, Cunhã Dju Tupi Guarani, Randy Gonzales, Léo Artese, Luís Fernando Tófoli e Lucia Alberta, com mediação do sociólogo Glauber Loures de Assis. As falas foram intercaladas por cantos tradicionais e icaros, criando uma atmosfera de espiritualidade e escuta profunda.

“Sou Francisquinha Shawãdawa, meu nome indígena é Vawa Kuru, que significa ‘corujinha curandeira’. Sou mãe de 11 filhos, 39 netos, uma abuelita com 67 anos. Trabalho com as medicinas da natureza. Temos que ter respeito por cada planta. Sem a natureza, não somos nada”, afirmou a curandeira do povo Arara Shawãdawa, do Acre, que desde os 15 anos atua como parteira e guardiã dos conhecimentos da floresta, como ayahuasca, rapé e sananga.

Outro destaque foi a fala da anciã Cunhã Dju Tupi Guarani, também conhecida como Dora Dina, cacique e líder espiritual da Aldeia Bananal, em Peruíbe (SP), que trouxe à roda a força da medicina da Mata Atlântica. Suas palavras foram acompanhadas do som da maraca e de cantos ancestrais.

“A Amazônia é a minha universidade”, disse Randy Gonzales, curandeiro peruano e maestro vegetalista do LIS (Lar e Integração do Ser), que estuda a espiritualidade das plantas mestras desde os 15 anos. Ele falou sobre a necessidade de cuidado com a apropriação dos saberes: “O conhecimento não é dos xamãs, é das plantas. Elas têm espíritos”, afirmou antes de entoar um ícaro tradicional.

Léo Artese, estudioso do xamanismo com décadas de dedicação às medicinas da floresta, também cantou um ícaro e alertou sobre os riscos do uso indiscriminado da ayahuasca: “Utilizada por pessoas sem experiência e preparo, pode trazer mais danos do que benefícios”.

A aproximação entre ciência e espiritualidade foi abordada pelo psiquiatra e pesquisador Luís Fernando Tófoli, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), um dos pioneiros nos estudos científicos com ayahuasca no Brasil. “É preciso curar a ciência”, afirmou, ao alertar para os perigos da cooptação dos saberes ancestrais.

Ao final da mesa, o cacique Tashka Yawanawá trouxe palavras sobre a responsabilidade espiritual diante das medicinas da floresta e reforçou a importância da articulação política indígena global. Também participou do encerramento, Ricardo Ghelman, presidente do Congresso Mundial de Medicina e Saúde Integrativa, que acontecerá no Rio de Janeiro em outubro, com foco no fortalecimento da saúde pública global por meio da medicina tradicional.

O segundo dia do Fiup também foi marcado pela força da cultura Mebêngôkre Kayapó, com apresentação da Comitiva Xingu, e por uma roda de conversa sobre emergência climática que destacou como a defesa da floresta e dos saberes ancestrais é também uma luta pelo futuro do planeta.

A cobertura da Psicodelicamente no Fiup tem apoio do LIS (Lar e Integração do Ser) e é realizada em parceria com a Bari Filmes.

 

Carlos Minuano

Jornalista e escritor, há mais de duas décadas escreve sobre psicodélicos nos principais veículos jornalísticos do país, como nas revistas CartaCapital, Rolling Stone, jornal Metro. É colaborador do portal UOL desde 2012. Além de dirigir a Psicodelicamente, atualmente trabalha na pesquisa para um livro sobre psicodélicos, que será publicado pela editora Elefante. É autor de duas biografias, “Tons de Clô” (do estilista Clodovil Hernandes) em adaptação para uma série de streaming, e “Raul por trás das canções” (do músico Raul Seixas), ambas publicadas pelo grupo editorial Record.

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