Mundo afora, avançam os estudos e legislações sobre psicodélicos, em lugares diversos, gerando expectativa de mudanças no contexto brasileiro. Precisamos aprofundar o debate sobre questões éticas e técnicas referentes à formação de profissionais habilitados para lidar com os riscos e benefícios potenciais das diversas modalidades de uso contemporâneo dessas substâncias.
A APB (Associação Psicodélica do Brasil), em atividade desde 2015, tem exercido um importante papel nesse campo atualmente, através da participação de alguns de seus membros em ações realizadas no âmbito do Sistema Conselhos de Psicologia, no qual se encontram o CFP (Conselho Federal de Psicologia) e os CRPs (conselhos regionais da categoria), responsáveis por regulamentar, orientar e fiscalizar o exercício profissional da Psicologia em nosso país.
Em junho de 2022, foi realizada em Brasília a 11º edição do CNP (Congresso Nacional da Psicologia), instância máxima de deliberação do Sistema Conselhos, que teve por tema o impacto psicossocial da pandemia: desafios e compromissos para a psicologia brasileira frente às desigualdades sociais.
Na Proposta 304, foi deliberado que o Sistema Conselhos de Psicologia, em articulação interinstitucional com órgãos e (ou) instituições reguladoras, aprofunde a discussão sobre a atuação profissional nas psicoterapias assistidas com psicodélicos que já possuam comprovação científica e aplicabilidade reconhecidas, objetivando melhores práticas e com vistas à produção de referenciais técnico-operacionais para a atuação.
Na Proposta 305, ocorreu uma deliberação sobre a maconha, buscando fortalecer a interlocução com outros conselhos profissionais, associações e coletivos de usuários, familiares e profissionais de saúde e as lutas pela regulação no Brasil, sua inclusão nas Pics (práticas integrativas e complementares da saúde), na perspectiva da redução de danos e fomentando pesquisa, debates e orientações éticas qualificadas para as práticas terapêuticas com a maconha pelos profissionais da psicologia.
Em março de 2023, no Paraná, a edição 145 da revista Contato trouxe o tema dos psicodélicos na capa e o artigo “Renascimento Psicodélico no Brasil: uma luta por direitos humanos”, de Sandro Rodrigues, psicólogo e cofundador da APB, introduzindo a importância da categoria se inteirar dos avanços na ciência psicodélica para que, em contrapartida, a chamada renascença psicodélica no Brasil ocorra respeitando os direitos humanos, a luta antimanicomial, o antiproibicionismo, o antirracismo, a redução de danos, o respeito aos povos tradicionais e minorias atingidas pela guerra às drogas, lutas sintonizadas com valores que o CFP defende.
Em maio, em Brasília, durante a Apaf (Assembleia de Políticas, Administração e Finanças), o CFP e os CRPs deliberaram pela a criação de um GT (grupo de trabalho) sobre o uso assistido de psicodélicos em contexto terapêutico, proposto pelo psicólogo Fábio Lopes (CRP, do Paraná).
Em agosto, no Rio de Janeiro, o CRP do estado instituiu um GT, coordenado pela conselheira Victoria Gutiérrez, com o objetivo de constituir a Comissão Especial de Maconha e Psicodélicos para promover a reflexão sobre o papel ético, técnico e sociopolítico do profissional de Psicologia junto aos usos e contextos de uso de Maconha e Psicodélicos na sociedade.
O GT do CRP do Rio de Janeiro conta com a participação de dois psicólogos e membros efetivos da APB, Fernando Beserra e Gustavo Nizzo. Já o GT do CFP, que teve a primeira reunião nos dias 28 e 29 de setembro, em Brasília, conta com Sandro Rodrigues como consultor ad hoc (que significa ‘para tal finalidade’, nesse caso, um especialista contratado pontualmente para atividades que exijam conhecimentos específicos, por conta de seu notório saber)
A primeira reunião do GT do CFP, sob coordenação da conselheira Carolina Roseiro (do CFP) e com participação de representantes de seis CRPs e do consultor ad hoc, estabeleceu como principais encaminhamentos para o semestre a articulação interinstitucional (entre psicologia e outros campos envolvidos na ciência e na terapêutica psicodélica), mapeamentos (prática clínica, legislativo, acadêmico etc.) e a preparação de eventos sobre o tema para a classe em 2024 (congresso e pré-congressos), a começar pela elaboração de material para apresentação do GT com definição precisa do campo, visando fomentar o debate com os CRPs.
Nesse sentido, uma primeira contribuição significativa da APB residiu na redefinição do campo, por um deslocamento da questão. Inicialmente restrito à psicoterapia assistida por psicodélicos, decidiu-se pela ampliação do escopo, com base na constatação de que profissionais de psicologia já estão sendo demandados a lidar com a preparação e a integração de experiências que cada vez mais vêm ocorrendo a partir de usos autônomos por seus pacientes ou de sua participação em rituais religiosos com uso de psicodélicos. Tanto pacientes quanto profissionais de saúde mental carecem atualmente de orientações seguras e adaptadas à nossa realidade.
Como parte das estratégias iniciadas para a promoção de referenciais robustos e fundamentados em nossa prática profissional, o CRP-05 (Rio de Janeiro), por meio do seu GT sobre maconha e psicodélicos, lançou em outubro um formulário de levantamento de dados sobre o conhecimento dos profissionais da psicologia sobre o uso de substâncias psicoativas em geral e o uso terapêutico em particular da maconha e dos psicodélicos, incluindo uma questão sobre o conhecimentos dos profissionais sobre a psicoterapia de integração psicodélica.
O formulário, voltado ao público do estado do Rio de Janeiro, pode ser preenchido pela categoria profissional, bem como estudantes de psicologia, até o dia 5 de novembro. Para acessar clique aqui.