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Anvisa proíbe comercialização e propaganda de ayahuasca

Medida atinge a bebida e produtos derivados, como soluções orais, mel, florais e microdoses, anunciados ou vendidos pela internet por empresas e indivíduos

Carlos Minuano, para a Psicodelicamente

Foto: Reprodução

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) publicou no último dia 28 de janeiro, no Diário Oficial da União, uma resolução que proíbe a comercialização e propaganda de produtos à base de ayahuasca por pessoas físicas ou jurídicas. A medida se aplica a qualquer tipo de divulgação ou venda pela internet, devido à ausência de registro e à falta de autorização de funcionamento exigidos pela legislação sanitária.

Segundo a agência, a comercialização desses produtos sem registro configura uma infração às leis que regulamentam medicamentos (Lei nº 6.360/1976) e às normas técnicas estabelecidas pela RDC nº 26/2014.

A resolução amplia uma decisão de 2021 da Anvisa, que focava em florais à base de ayahuasca. A nova medida deixa claro que qualquer pessoa física ou jurídica que promova ou comercialize ayahuasca em plataformas digitais está sujeita a sanções legais, mesmo que a venda seja apresentada como “remédio natural” ou “suplemento espiritual”. O objetivo da medida é evitar riscos à saúde pública, já que esses produtos não passam por avaliação de segurança e eficácia.

Ainda que a nova regra não interfira diretamente no uso ritualístico e religioso protegido por lei, a Anvisa reforça que a comercialização de ayahuasca para o público em geral desvirtua sua finalidade original e pode abrir espaço para práticas oportunistas e irregulares.

Grupos ayahuasqueiros e especialistas têm se manifestado contra a venda da bebida, defendendo que a ayahuasca seja produzida pelas próprias comunidades e permaneça restrita a contextos ritualísticos e de pesquisa.

“Com a explosão do uso da ayahuasca no Brasil e no mundo, é natural que o tema alcance as agências governamentais”, afirma a fundadora e diretora executiva do Chacruna Institute, Bia Labate, antropóloga que pesquisa o campo ayahuasqueiro há quase 30 anos.

Para Labate, a situação atual reflete a exploração de um novo mercado de serviços e produtos voltados para uma classe média urbana. “Aparentemente, as forças regulatórias estão se manifestando agora. Embora a ayahuasca não ofereça riscos substantivos para a saúde, e menos ainda em doses suaves, a comercialização indevida e promessas de curas milagrosas devem ser evitadas”, adverte.

A antropóloga ressalta, no entanto, a importância de a Anvisa manter-se dentro de sua função regulatória específica. “Interferir em decisões importantes sobre o futuro da ayahuasca em nosso país sem consultar povos indígenas, usuários religiosos e pesquisadores seria um desastre.”

Bebida ancestral amazônica

A ayahuasca é uma bebida de origem indígena, tradicionalmente utilizada em rituais de cura e práticas espirituais há centenas de anos, especialmente por povos amazônicos. Ela é preparada a partir da combinação das plantas Banisteriopsis caapi (cipó) e Psychotria viridis (folhas), que juntas produzem um efeito psicoativo.

Desde a década de 1980, o uso ritual da bebida se expandiu para contextos urbanos, com o surgimento de diversas religiões ayahuasqueiras, como o Santo Daime, a UDV (União do Vegetal) e a Barquinha, que utilizam a ayahuasca em cerimônias religiosas.

O uso ritualístico e religioso da ayahuasca foi reconhecido oficialmente no Brasil em 1987, após uma série de discussões promovidas pelo Confen (Conselho Federal de Entorpecentes), órgão antecessor do Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas).

Em 2010, o Conad publicou uma resolução que consolidou o direito ao uso religioso da ayahuasca, desde que inserido em práticas culturais e religiosas bem delimitadas, com regras para evitar desvios de finalidade e comercialização.

Apesar desse reconhecimento legal, a ayahuasca não é considerada um medicamento pela Anvisa e, portanto, não pode ser produzida, vendida ou anunciada comercialmente. A proibição atual atinge não apenas a venda da bebida tradicional, mas também de produtos derivados, como soluções orais, mel, florais e microdoses.

*Colaborou Juarez Bonfim

Carlos Minuano

Jornalista e escritor, há mais de duas décadas escreve sobre psicodélicos nos principais veículos jornalísticos do país, como nas revistas CartaCapital, Rolling Stone, jornal Metro. É colaborador do portal UOL desde 2012. Além de dirigir a Psicodelicamente, atualmente trabalha na pesquisa para um livro sobre psicodélicos, que será publicado pela editora Elefante. É autor de duas biografias, “Tons de Clô” (do estilista Clodovil Hernandes) em adaptação para uma série de streaming, e “Raul por trás das canções” (do músico Raul Seixas), ambas publicadas pelo grupo editorial Record.

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